quinta-feira, 29 de março de 2012

O assentador de pedras


         O esplendor da paisagem impede que o caminhante que percorre em parte ou toda a extensão da calçada da praia de Copacabana dirija sua mirada para aquele homem magro de pele queimada que trabalha agachado a olhar para o chão: o assentador de pedras portuguesas. Funcionário público, a Prefeitura lhe paga o salário e ele honra o dinheiro que recebe: despercebido, trabalha de-sol-a-sol-mesmo-em-dia-de-chuva, começa pela Pedra do Leme, termina no Forte de Copacabana, termina não, pois lá chegando toma em seguida o sentido contrário, em direção ao Leme, na mesma calçada, agachado, olhando sempre para o chão, assentando aquelas pedras que já se deslocaram pelo uso.
         O movimento nessa calçada é pesado e ininterrupto. De dia ou de noite caminham nativos, turistas, gringos, punguistas, namorados, crianças e suas babás, jovens e velhos que apenas passeiam ou correm para manter a forma, a maioria em trajes de banho calçando tênis ou havaianas, mas em certas ocasiões pode-se ver também algum executivo de paletó e gravata, um médico, um advogado, sem contar as carrocinhas de pipoca, milho cozido, sorvete, empada, sucos, cerveja, refrigerantes, água mineral, água de coco, sanduíches, roupas novas e usadas, biquínis, saídas de praia, bonés e chapéus, toalhas exibindo paisagens cariocas, redes, tapetes, brincos, colares e pulseiras confeccionados com os mais diversos materiais, enfim, toda a sorte de badulaques e quinquilharias a serem vendidos na praia pelos ambulantes, de modo que, com o contínuo pisar as pequenas pedras se deslocam e se soltam, e basta que uma delas se mova para que se quebre o compacto preenchimento do piso e em seguida várias delas perdem seu lugar no pavimento, formando rapidamente uma grosseira falha que se expande assustadoramente qual urticária monstruosa, a exigir pronta reparação por parte do diligente assentador de pedras.
         O homem não vê aqueles que por ele passam. Ele pode sentir o movimento intenso das gentes, pode ouvir o burburinho das vozes, até algum fragmento de conversa mais indiscreta ele pode registrar, sente o cheiro de suor dos transeuntes pois quase sempre faz calor, verão o ano todo, mas ele não desvia o olhar do chão, que o assentamento das pedras requer toda sua atenção e cuidado. São de duas cores as pedras portuguesas, brancas e pretas, e compõem na calçada da praia de Copacabana as famosas ondas, pretas e brancas, a sugerir o movimento das águas do mar. Se uma delas, por distração, é colocada em posição incorreta, quebra-se a harmonia das ondas, e isso o assentador não pode permitir. Em seu vai-e-vem cotidiano, num sentido ou noutro, encurvado de tanto olhar para o chão, às vezes ele se depara com uma peça assentada de maneira incorreta, pedra preta no branco ou pedra branca no preto, e justifica o fato para si próprio como sendo efeito do sol inclemente do meio-dia, a turvar-lhe as vistas, ofuscar as cores, embaralhar as pedras, ferver os miolos, induzir o erro. Agacha-se então, remove a pedra intrusiva, repara seu engano colocando no local aquela da cor adequada, e segue em busca das pedras soltas.
         Aos domingos, o assentador de pedras leva a família para passear na calçada de Copacabana e, orgulhoso, mostra aos filhos sua arte. Mas não deixa de registrar na memória os trechos em que já há pedras soltas, a exigir no dia seguinte o seu despercebido incansável trabalho.

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