A crônica de hoje, A
ciência do milagre, do grande Hélio Schwartsman no Estadão (23/12) traz o
dilema que este blogueiro insiste em reafirmar, o do pensamento religioso
versus pensamento científico. Antes de mais nada, alerto o leitor de que não é
bem de religião que estamos falando, e sim de modelos de pensamento, formas de
pensar, modos de usar o aparelho de pensar.
Nada mais natural que a Igreja Católica
promova seus santos; é propaganda, a alma do negócio, já dizia Joãozinho; e o
povo gosta de ter seus santos por perto, íntimos, domésticos, domesticados, domesticáveis
(há quem coloque a imagem de Santo António de cabeça para baixo num copo dágua,
como forma de pressão ou tortura, em busca da realização do milagre); aprecia
que falem a mesma língua, facilitando portanto pedidos e agradecimentos, quem
sabe um milagre...
Schwartsman
inicia seu arrazoado sempre muito lógico e bem encadeado, próprio de gente que
sabe pensar, dizendo que “resta o consolo de que estamos indo bem no campo dos
milagres. Em 2007, frei Galvão se tornou o primeiro santo genuinamente
brasileiro. ...O caso de um engenheiro brasileiro, que teria se curado
inexplicavelmente de uma doença neurológica, acaba de ser reconhecido como o
segundo milagre de madre Teresa de Calcutá, que permitirá sua canonização.”
(Não vem
ao caso, mas até eu gosto de alardear que minha irmã Maria Helena nasceu na
Maternidade Frei Galvão, em Guaratinguetá! Não foi um milagre, mas tudo correu
bem.)
Concordo
com Schwartsman, portanto, quando diz que “A Igreja Católica tem o direito de
declarar santo quem bem entender”. Mas também me incomoda “o verniz científico
que a Santa Sé tenta dar ao processo. Para assegurar que os milagres atribuídos
aos santos não sejam fraudes, eles passam por comissões de médicos e cientistas
que se certificam de que o fenômeno não tem explicação natural.” O nome deste
verniz é embuste.
E agora
nosso articulista apresenta sua pérola, num parágrafo simples, claríssimo,
definitivo:
“Receio
que haja aqui uma confusão epistemológica. Não encontrar explicação é muito
mais uma medida da nossa ignorância do que a certeza de um milagre.”
Mas como
é difícil para o ser humano admitir que não sabe! Desde a nossa infância,
quando desenvolvemos o que Freud chamou de “onipotência de pensamento”, e que
poder ser resumida numa frase também simples: se eu pensei, é porque é verdade.
Funciona durante a infância, até como uma forma insipiente e primitiva de
pensar, aprendizado e mecanismo de defesa. Se perdura durante a adultidade,
torna-se um desastre, passa a funcionar como pensamento mágico, ou pensamento
religioso, como gosto de registrar.
Uma boa
análise pode ajudar muito! A vida torna-se muito mais confortável quando
aprendemos a dizer, para os outros, mas principalmente para nós mesmos, NÃO SEI!
E arremata Schwartsman, com dose certa
de ironia: “Chega a ser suspeito o fato de boa parte dos milagres vir da
medicina, mais especificamente de especialidades marcadas pela incerteza, como
a oncologia. Provas muito mais convincentes seriam regenerações de membros
amputados, mas, curiosamente, essas nunca aparecem.”
Tem razão. Quem precisa de milagre? E, se há santos, estes não precisam do aval de ninguém: são santos por si. Mas como são raros.
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