Busco um tema para
escrever um conto de Natal, desejo antigo de meu pai, que pedia aos filhos que
escrevessem contos de Natal, e a imagem que me vem à mente é esta –, para mim,
a imagem do ano de 2015 –, a do menino sírio Aylan Kurdi, encontrado morto numa
praia da ilha grega de Kos.
A imagem me remete ao
Velho Testamento, antes pois do nascimento do menino Jesus, pela violência bíblica
absurda e insana de sempre. A família de Aylan fugia da guerra na Síria, do
mesmo modo que a humanidade sempre fugiu de tantas guerras, desde o Êxodus. E a
humanidade não aprende nada.
Se penso que a religião
não ajuda, ao contrário, com frequência causa ou agrava tais tragédias, como
ocorre hoje na Síria, como escrever um conto de Natal, meu pai?
Talvez eu possa sonhar
os sonhos do menino Aylan, por uma vida melhor, onde ele pudesse brincar com os
amiguinhos, ir à escola, jogar bola mesmo num campo de terra batida e descalço,
sentar-se à mesa para comer os alimentos típicos de sua terra junto à sua
família, ouvir histórias contadas por sua mãe que lê histórias para ele, ver
desenhos animados na televisão, rir da vida, vez em quando chorar da vida.
Talvez eu possa sonhar
os sonhos do menino Aylan de ser alguém na vida quando crescesse. Jogador de
futebol? Professor? Médico, advogado, engenheiro, comerciante? Qualquer
trabalho.
Talvez eu possa sonhar os sonhos do menino Aylan de
um dia educar-se, no sentido mais amplo da palavra, como a compreendiam os
mesmos gregos, que agora recebem meninos mortos em suas praias. Educar-se,
viajar, conhecer alguma coisa do mundo além de sua aldeia natal.
Talvez eu possa sonhar
os sonhos do menino Aylan de um dia amar e vir a constituir uma família, ter
filhos saudáveis, que pudessem brincar com os amiguinhos, ir à escola, jogar
bola...
Talvez eu possa sonhar os sonhos do menino Aylan de
um dia chegar à velhice, conviver com os netos, contar-lhes as histórias que a
mãe contava, enfrentar as vicissitudes
da velhice, para saber, de fato, o que é viver.
Nada disso foi possível para o menino Aylan, morreu
cedo demais, nem Jesus Cristo morreu tão cedo. Não houve Natal para o menino
Aylan. Embora o fato tenha ocorrido muito distante de mim, atinge-me
diretamente, e me impede de escrever um conto de Natal, meu pai.
Posso sonhar, isso eu posso, os sonhos de todos os
meninos refugiados e suas famílias - mais de um milhão de pessoas neste ano de 2015 -, e que continuam vivos, lutando para chegar
ao próximo Natal. Torço por eles, mas pedir a quem que não morram afogados no
Mar Mediterrâneo?
Ótimo texto, pai, apesar de triste - os contos de Natal precisam ser contos de fadas?!
ResponderExcluirQue bom que gostou, Paula! A vida não é um conto de fadas!
ExcluirEu visitei Síria há 25 anos ; era um lugar lindo aos olhos de uma menina de 11 anos. Principalmente a parte de fronteira com Israel. Coberto de neve....a gente apreciava a paisagem e chá quente ao mesmo tempo...
ResponderExcluirQue pena que foi destruído quase completamente, e muitos como Aylna nem tiveram até a oportunidade de sonhar!!
Que bom que o Louco sonhou por ele.
Obs: Excelente conto!
Bela e pertinente reflexão. A humanidade continua bruta, precisando muito da mensagem de Jesus, mais que nunca. Para além de crenças e denominações religiosas, mais para perto da nossa condição humana.
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