quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Foram-se as cartas



Perdeu-se o hábito de escrever cartas. Uma pena! O Louco, no entanto, continua aumentando sua coletânea de literatura epistolar, missivas de Carlos Drummond de Andrade a Mário de Andrade, de Lou Andreas Salomé a Freud, de Freud a Fliess, de Anna a Freud, de Winnicott a todos os seus interlocutores, de Mário de Andrade a Tarsila do Amaral, de Rilke para um jovem poeta, de Calligaris a um jovem terapeuta, de van Gogh a Théo, a Carta ao pai de Kafka, de tanta gente para todo mundo. Que inveja, meu deus, eu que não recebo cartas!
Mas acabo de ganhar de meu amigo Humberto, Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz – Correspondência amorosa completa (1919 – 1935), organização de Richard Zenith, Ed. Capivara (2013), um belíssimo calhamaço de mais de 500 páginas. Aquele que me presenteia sempre diz que gosto de fofoca! Mas não é bem isso. Trata-se de conhecer a intimidade de pessoas que se amam, amantes, amigos, não importa a relação, desde que haja intimidade, que se deixa transparecer sob uma maneira muito particular, em forma de cartas. Literatura intimista, portanto.
Mas também há um certo tipo de fofoca, confessa apenas nesse tipo de escrita, deliciosa, ingênua, feita às escondidas, para nunca ser publicada. Vejamos o que Pessoa escreveu à Ofélia, em 28 de maio de 1920:

“Meu Bebé pequenino, minha Nininha:

Acabo agora mesmo de receber e de ler a tua carta de ontem. Apoquentou-me muito, por tua causa, o que me contas, e que eu já esperava que sucedesse, não só por o que tu mesma me tinhas contado, como também por ontem o Osório me ter dito que o rapaz estivera ontem mesmo de manhã no escritório da Rua Assunção. O rapaz foi lá a título de perguntar por mim, e, como eu não estava, fez ao Osório várias perguntas, se eu te namorava, etc., e disse-lhe que me tinha visto contigo, etc., etc.
Naturalmente, se me queria falar, era para qualquer coisa da tal intriga que tu me contaste que ele dizia que faria com coisas que iria contar a qualquer novo namorado teu. Ou, o que é mais provável ainda, foi lá ao escritório sabendo já que eu lá não estava, para, a título de perguntar por mim, fazer ao Osório as tais perguntas.
Seja como for, por mim o assunto não me interessa, e muito menos o rapaz. ...”

            Mesmo os amantes e conhecedores de Pessoa já tinham lido coisa parecida? Uma cena de ciúme! Do grande Fernando Pessoa! Do ressentido Fernando Pessoa, que termina dizendo que o assunto não lhe interessa...

            No mesmo dia 28, Ofélia respondeu:

“Nininho adorado:

Porque não passaste na minha rua às 71/2 para eu te ver? Já tenho tantas saudades do meu Nininho! Eu esperei por ti à janela e depois fui jantar. Nem escreveste hoje. Escreve amanhã sim? E responde-me a tudo da minha carta. Por enquanto não há novidade nenhuma, meu pai ainda não me falou em coisa alguma. Eu tenho andado mais triste, mais ralada! E com tantas saudades do meu amorzinho, do meu Ibizinho!”

            Nininha desconversa. Não é uma delícia!?


Um comentário:

  1. O louco lê de tudo!
    Mas é mesmo delicioso. E o tempero está nesse jeito lusitano de dizer as coisas. "Apoquentou-me", "ralada"... É ótimo!

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