Meu caro André,
escrevo-lhe com
certo constrangimento, com um pouco de vergonha mesmo, diante dos últimos
acontecimentos, resumidos por você como o Caso do Assassinato no Salão de
Beleza.
Quase
me arrependi de ter permitido que publicasse aqueles acontecimentos tão
funestos (acho que li esta palavra em Kafka, não estou certa), mas diante da
atenção que me dedicou, dos cuidados que me dispensou, fui obrigada a fazê-lo,
também por amor à literatura. Ficou bonito o conto policial!
Escrevo principalmente para dizer
que virei aquela página. Acho que todos nós vivemos algum drama ao longo de
nossas vidas, não necessariamente envolvendo um assassinato, ainda bem, mas
cada um sabe de si, das suas dores, e o drama de cada um é sempre doloroso,
seja por um amor desfeito, pela morte de alguém muito querido, pela derrocada
material, por uma grave doença, física ou mental (esta última parece ainda
pior), ou pelo fortuito envolvimento em um crime como ocorreu comigo. São
frustrações inevitáveis, próprias do viver. “Viver é muito perigoso.”
Diante do problema, onde a solução?
Há quem permaneça remoendo remoendo remoendo (isso aprendi com você, três
repetições sem vírgulas entre elas, na expectativa de que o leitor leia as
palavras rapidinho e sem interrupção), na esperança de que o problema se
resolva por ele mesmo, e não se resolve.
A sensação de vergonha a que me
referi no início desta carta pode ser vista como arrogância, pela dificuldade
em aceitar nossos próprios erros. Erramos. Pronto. Que novidade!
Mesmo fazendo votos de que o erro
não se repetirá, não há qualquer garantia sobre isso. Errar de novo também não
é novidade.
Bem, de minha parte, virei a página.
Virou conto policial em seu blogue, André. A troca de cadeira no salão é a perfeita
metáfora (nossa, nunca pensei que um dia usaria esta palavra!): muda-se, para
que nada mude. A vida prossegue, a fila anda. Continuo cortando cabelo de
homem.
Mudando de assunto, gostei muito do
que postou hoje, sobre o manifesto dos artistas franceses, contra o puritanismo
e a favor da “liberdade de importunar” (adorei esta expressão!). Também não
acho que as mulheres sejam essas “pobres indefesas”, vítimas da truculência
masculina.
Estupro
não. Agressão física ou psíquica não. Agora, tanto barulho por causa da mão no joelho,
isso também é exagero. Eu acho, André. Mas posso estar errada. Cada caso é um
caso, isso é verdade, e não estamos aqui para julgar.
São
ponderadas as considerações dos franceses. Vamos pensar sobre elas.
Acho
que a cartinha está de bom tamanho. Despeço-me com um beijo, renovando meus
agradecimentos pelo apoio que me dispensou.
Da
sempre sua
Suzete.
Suzete às vezes é de uma delicadeza comovente. Uma filósofa do povo. O distinto público geral precisa conhecê-la. Vamos fazer uma campanha para popularizar Suzete?
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