A propósito
do sofrido empate sem gols contra o México, ocorreram-me várias associações de
ideias, a partir da identificação de determinados sentimentos em um acalorado
torcedor, eu mesmo.
Terminado o jogo, a sensação era de
vazio, incompreensão, pasmo, perplexidade, frustração, alívio, tristeza, raiva.
(A raiva mais primitiva – o pleonasmo é intencional – é a responsável pelo
insano quebra-quebra tão frequente após o término de certos jogos,
especialmente aqueles entre torcidas organizadas rivais. Os trens e ônibus pagam
o pato, quando não algum torcedor do time adversário, confundido com um real
inimigo.)
O torcedor estava confuso, tantos e tão díspares os sentimentos a
ocuparem-lhe a mente. A expressão pode parecer forte, mas tomada nas devidas
proporções, me parece adequada: havia um estado de confusão mental, não
completamente percebido pelo torcedor. Vamos dar a esta confusão o nome de
conflito e tentar compreendê-lo melhor.
Mais tarde, decompostas tantas
emoções, o torcedor percebe que dois sentimentos prevaleciam. Por um lado, a
frustração, pela ausência da tão almejada vitória. O torcedor sente na própria
pele, como se fosse ele o derrotado, e isso dói. Não se conforma com o
resultado, Não é possível, Como isso foi acontecer?, Se o goleiro não tivesse
defendido aquela cabeçada, Se o Brasil tivesse chutado mais a gol, Se o juiz...
Intermináveis ses, numa sucessão de delírios, próprios de quem momentaneamente
não é capaz de pensar.
Por outro lado, houve sensação de alívio
quando o jogo terminou – graças a deus!, diriam alguns –, porque o escrete não
perdeu. O Brasil só não podia perder, e um empate não foi um resultado tão
ruim. Ainda nos resta uma terceira partida, etc etc etc.
Mudemos de cenário completamente. O
casal amoroso deixa a filhinha de 3 anos com os avós, pois deseja um merecido fim
de semana de descanso e intimidade. Durante 3 dias, recebedora de mimos e
agrados, a criança comporta-se maravilhosamente bem, sempre alegre,
comunicativa, cooperando em tudo para a felicidade dos avós e a sua própria. De
tempos em tempos ela pergunta pela mãe, cheia de saudade. Quando a mãe chega ao
final do domingo para reaver a filha, esta recebe os pais de forma agressiva,
faz manha, birra, malcriação, às vezes chega a agredi-los fisicamente, em meio à
convulsa crise de choro, esperneios e ranger de dentes. No dia seguinte, nada
mais resta de tal comportamento e a vida volta ao normal.
O conflito vivido pela criança é de
fácil percepção pelos avós, e nem tanto pelos pais, que podem sentir-se
culpados por terem se ausentado, ainda mais para benefício próprio. Ao mesmo
tempo que está feliz com o regresso dos pais, a criança tem muito medo que eles
voltem a se ausentar (o que significa, para ela, perdê-los para sempre). Em
suma, o eterno conflito entre Amor e Ódio. A diferença entre o adulto e a
criança reside no fato de que esta não é capaz de pensar, decompor seus
próprios sentimentos, identificando-os, para poder lidar com eles. Alguns
adultos podem.
Um terceiro cenário, ainda mais
dramático, pode ser identificado quando um membro da família, portador de
doença incurável, depois de longo e doloroso sofrimento, vem a falecer. Mais
uma vez podem estar presentes a Perda e o Alívio, fontes determinantes de
conflito para os parentes próximos, muitas vezes incapazes de lidar com o luto
sem algum tipo de ajuda psicológica.
A solução do conflito passa pela
capacidade de pensar. É preciso levar em conta as circunstâncias, sempre. No
primeiro exemplo, há que se considerar que o time adversário jogou muitíssimo
bem, movido pelo mito de que endurece todos os jogos contra o Brasil. No
segundo, para uma criança pequena, o medo do abandono significa ameaça de morte,
pois ela ainda não é capaz de sobreviver sem os cuidadores. No terceiro caso,
há que se considerar que a Morte é algo muito difícil de ser pensado pelo ser
humano, que se deseja imortal.
Se num determinado momento não é
possível pensar, melhor permanecer em silêncio, na expectativa de que passe a
turbulência.
Quando as circunstâncias podem ser
consideradas, e isso é próprio das mentes abertas a novas ideias, aquele que
pensa pode encontrar alternativas para seu próprio desconforto psíquico e assim
livrar-se dele. Em oposição, as pessoas de mente fechada, dogmáticas,
religiosas (nesse sentido), fundamentalistas, permanecem presas numa mistura de
emoções indecifráveis, capazes de tecer uma perversa teia que as mantém
prisioneiras de si mesmas, presas fáceis da depressão.
(Para este torcedor e pobre cronista do cotidiano, escrever é de grande
valia nesse processo de organizar o pensamento. Eu recomendo.)
Bem, esperemos que o Brasil vença o
próximo jogo.
Eis o que um desagradável resultado num jogo de futebol é capaz de inspirar. Gostei muito do texto, Dr. Concordo plenamente com a estratégia do silêncio enquanto se está imerso neste mar revolto que se chama amor e ódio.
ResponderExcluirObrigado, Roberto, por seu estimulante comentário.
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