Para minha surpresa, no mesmo Caderno 2 de O Estado de S. Paulo deste domingo último, dois articulistas de peso, João Ubaldo Ribeiro e Humberto Werneck, trataram do “Machado facilitado”, se é que se pode chamar assim a publicação de O Alienista simplificada por Patrícia Secco. Portanto, o assunto permanece em aberto.
Nem preciso dizer que Ubaldo
e Werneck, de forma bem humorada, porém sarcástica, descem o malho no tal
projeto. Penso que tratar deste assunto – cometer o sacrilégio de adulterar uma
vírgula sequer em Machado de Assis –, embora tenha sua importância pedagógica,
é como chutar cachorro morto. Somos todos contra! É possível que a própria
Patrícia esteja arrependida da empreitada, tamanha a gritaria que provocou. O
Estado (MEC), responsável pela publicação, e infalível como sempre, jamais se
pronunciará arrependido.
É possível extrair/pensar
alguma coisa de útil diante deste insólito acontecimento? Parto do princípio de
que Patrícia Secco esteja bem intencionada, pois, do contrário, não há porque
tratar do assunto. Assim sendo, a constatação é: Como é difícil ensinar!
Ensinar nunca foi dar de
mão-beijada.
Quanto mais mastigado for
oferecido o conteúdo, menos interesse há de despertar no aprendiz. A preguiça
sim, haverá de ser alimentada. A materialização desta ideia é a famigerada
apostila: não há nada mais antipedagógico, mais emburrecedor que a apostila.
(Ainda há alunos e professores que a desejem.)
Se for difícil demais, o
aluno (ou alguns deles) necessitará de ajuda, e a presença do professor – que não
poderá ser substituído por um tablet –
será então de fundamental importância, ou o aprendiz criará ojeriza pela
matéria. Ler Machado de Assis cedo demais pode propiciar este efeito nocivo.
(Lembro-me da primeira vez que abri o Grande Sertão: não passei da primeira
página. Anos depois, eu que não conhecia o desfecho da história, emocionei-me
às lágrimas com o que considero o melhor livro que já li até hoje.)
Motivar o estudante será
sempre uma estratégia inteligente por parte de quem pretende ensinar. Mas o
esforço indispensável do aprendiz ainda assim deverá ser individual e
intransferível. (Certa feita, num seminário com estudantes de Medicina,
apresentei um problema e iniciei a discussão, na expectativa de que o grupo
chegasse a uma resposta satisfatória. A cada tentativa dos alunos eu respondia
com um não. Após inúmeras respostas que eu julgava incorretas, um aluno
interpelou-me, de modo grosseiro e agressivo, e disse Porque o senhor não dá
logo a resposta? De fato, se eu tivesse oferecido a resposta sem discussão, não
teria passado por este dissabor. Como é difícil ensinar.)
Simplificar não é motivar.
Dar de presente um dicionário pode vir a ser uma motivação. O Dicionário
Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo
(Lexicon, 2010), traz magnífico prefácio de Francisco Buarque de Hollanda, isso
mesmo, o Chico, intitulado Os dicionários de meu pai. Pouco antes de morrer, o
“pai do Chico” (assim o famoso Sérgio Buarque de Hollanda referia-se a si
próprio) deu de presente ao filho a primeira edição deste dicionário, e dele o
nosso Chico nunca se separou. Talvez a MPB não fosse a mesma sem o Dicionário
Analógico...)
Enfim, o tema “como
ensinar” é inesgotável, e não é uma croniquinha como esta que irá fazê-lo. São
apenas digressões sobre a tal simplificação de Machado, o que equivale a tirar
leite de pedra.
Fico a pensar: se tiveram a ideia de simplificar Machado, é porque os jovens acham Machado difícil. Isto é fato? Talvez seja verdade, considerando-se que qualquer texto minimamente elaborado é para eles difícil. Que fazer, se simplificar Machado é um sacrilégio? Em vez de reescrever o que não se pode reescrever, o jeito é sentar com os jovens e ler Machado linha a linha, parágrafo a parágrafo. Discutindo e desvelando. Vai dar trabalho! Mas valeria a pena.
ResponderExcluirEsta é a função do professor, quando a coisa é difícil para o aprendiz.
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