Dr. Álvaro
precisava desesperadamente daquela informação!
Assumira
recentemente a direção do Hospital Municipal de Paraíso do Oeste, que como todo
hospital público, encontrava-se atolado em dívidas. Os fornecedores ameaçavam interromper
as entregas, medicamentos, até os mais simples como os analgésicos, já não eram
encontrados na farmácia do hospital, cirurgias começavam a ser suspensas por
falta de material, até mesmo a cozinha sofria com a falta de recursos,
empobrecido o cardápio dos já desnutridos paraisenses internados.
A crise agravava-se
rapidamente, sem que se vislumbrasse qualquer socorro por parte da Prefeitura,
do Governo do Estado, ou do Governo Federal. Paraíso, sem um deputado ou
senador a quem pudesse recorrer, o próprio diretor, um simples médico sem
qualquer apadrinhamento político, e que assumira o cargo muito mais por ingenuidade
e idealismo, pois jamais pensara em auferir qualquer benefício político ou
financeiro com o cargo, tudo e todos conspiravam contra a situação do HOMPO, a disfônica
sigla pela qual era conhecido o nosocômio.
Até que
surge a inesperada visita!
Fizeram-se
anunciar por um telefonema de véspera, atendido pela secretária do diretor, que
passou adiante a notícia, a de que dois senhores, representantes de uma
organização internacional, tinham uma proposta a fazer, A salvação do HOMPO!,
segundo eles mesmos.
No dia
seguinte, grupo seleto de representantes do corpo clínico do hospital aguardava
desde cedo pelos ilustres visitantes. Apresentaram-se os dois, simpáticos e bem
falantes, com indisfarçável arrogância, diante da equipe que administrava o
hospital. Nada pedimos, adiantaram, apenas desejamos ajudar: dispomos de quantia
praticamente ilimitada de recursos financeiros para resolver em definitivo o
problema do HOMPO! Apresentem com urgência uma lista dos equipamentos
desejados, e serão rapidamente atendidos.
Correu o
boato – alguém teria ouvido de um dos visitantes – que ofereciam cem milhões de
reais ao hospital. A quantia era astronômica, para as pretensões dos paraisenses. Embora
desconfiados, puseram-se a organizar o rol de equipamentos, incluindo
tomógrafos, ressonância magnética, tudo o que havia de mais moderno nas várias especialidades
médicas, ambulâncias, leitos novos, monitores de última geração para a UTI, um
não acabar mais de itens.
Desconfiados,
é verdade, e por dois motivos. Primeiro porque os visitantes não explicaram bem
a origem do dinheiro. Diziam que os recursos vinham de multinacionais ligadas a
Unesco, com finalidade filantrópica, dinheiro de fundos perdidos. Segundo,
porque não deixaram claro a função que eles mesmos representavam, quer diante
da Unesco, quer frente às referidas multinacionais. A despeito da arrogância,
não passavam de dois ilustres desconhecidos. Mas o que temos a perder?,
disseram os médicos, Eles nada pedem em troca!
Dr. Álvaro,
preocupado com a reputação do hospital, iniciou investigação pessoal a respeito
dos dois senhores. Ligou para Brasília, falou com representantes do Ministério
da Saúde, do Ministério das Relações Exteriores, até com a Casa Civil manteve
contato. Falou com diretores de hospitais do Rio e São Paulo, e nada, ninguém
conhecia os dois visitantes!
Até que
recebeu telefonema de antigo colega de turma, médico atuante em São Paulo, que dizia
conhecer alguém que dispunha das informações que Dr. Álvaro precisava. Apenas
não podia transmiti-las por telefone, mas esperava o amigo para um jantar em
sua residência, no afamado bairro do Morumbi, onde Álvaro seria apresentado a
uma determinada pessoa que conhecia os supostos benfeitores.
No dia
seguinte, bem cedo, Dr. Álvaro foi de carro até a capital de seu estado, e de
lá tomou avião para São Paulo. Às próprias expensas, nem é preciso dizer, e no
maior sigilo. Apenas sua esposa sabia de sua destinação. Ao cair da tarde
chegou à mansão do amigo, cirurgião cardíaco de renome, solicitadíssimo pelos políticos
e autoridades do país, diante da menor suspeita de doença do coração. Foi
recebido amavelmente pela esposa do colega, Ele não chega em casa antes das
onze da noite, informou ela. Mas prometeu que chegaria mais cedo naquela noite.
Dr. Álvaro
não teve outro remédio senão esperar. Servido com salgadinhos e quitutes
refinados, aproveitou para matar a fome, pois comera apenas o parco sanduíche do
avião. Também não recusou o uísque 18 anos oferecido pela dona da casa.
Às dez da
noite chegou o colega, acompanhado de um amigo, O tal que sabe das informações,
pensou Álvaro. Entre abraços cordiais e manifestações de amizade, o jantar foi
servido. A anfitriã era natural de Salvador, e não perdia a oportunidade para
demonstrar suas habilidades culinárias a quantos visitantes recebia, com lauto
banquete das mais variadas comidas típicas. Álvaro, não há em toda São Paulo comida
baiana que se iguale a de minha mulher, adiantou orgulhoso o colega. Tudo
regado a um chardonay francês de estirpe!
Ao final do
jantar, passaram ao salão do café, onde, afinal, a portas fechadas, haveria a
conversa tão aguardada pelo Dr. Álvaro. O homem, de pouquíssimas palavras, pois
se manteve calado durante todo o jantar, foi lacônico, Aqui está, Dr. Álvaro, o
nome e o número de telefone da pessoa que haverá de prestar-lhe todas as
informações de que o senhor precisa. Passou-lhe uma folha de papel, contendo
apenas um nome e o número do telefone, que Álvaro guardou cuidadosamente no
bolso interno do paletó. Mais não disse, nem lhe foi perguntado.
Mudaram
rapidamente de assunto, para espanto de Álvaro. Depois do café, foi servido o
melhor conhaque e acesos os perfumados cohibas. Falaram de tudo e de todos, de
como era agitada a vida paulistana, dos clientes famosos do cirurgião, do
trânsito impossível da Capital, mas Álvaro já não prestava atenção à conversa.
Sentia uma reviravolta nas tripas, a cabeça também a revirar-se, uma urgência
absoluta, talvez a única real urgência desta vida, a necessidade de uma
privada. A dona da casa, sempre solícita, indicou-lhe o lavabo junto à sala de
jantar.
Enfim, o
alívio. Acho que exagerei um pouco, pensou Álvaro. Porém, aquele ainda não era
o fim de seu sofrimento. Terminada a abundante exoneração, ao buscar o papel
higiênico, para seu desespero o rolo estava completamente vazio. Olhou em
volta, na esperança de encontrar um rolo sobressalente, e nada. Procurou, não
sem grande esforço e desconforto, no pequeno armário debaixo da pia, nada. Mais
esta agora, exclamou! Que dia, que dia!
Não lhe
restou outro recurso senão usar a folha com o nome e o número de telefone.
Álvaro ainda tentou memorizá-los, mas a cabeça girando, girando, não ajudava.
Despediu-se
constrangidíssimo, tomou um táxi, procurou um hotel barato próximo à Praça da
República, e dormiu um sono sem sonhos. Acordou por volta do meio-dia, ingeriu
apenas uma xícara de café preto, e por sorte conseguiu embarcar num voo para a
capital de seu estado. Perto das onze da noite estava em casa. Sua mulher
espantou-se, Álvaro, você está verde, o que aconteceu? Nada, nada...
Como havia
partido em sigilo, em sigilo retornou ao trabalho. Encontrou pronta a lista de
equipamentos generosamente elaborada pelos colegas. Naquela mesma manhã os dois
misteriosos visitantes voltaram ao hospital, informando que todos podiam
aguardar com tranquilidade, que os pedidos seriam atendidos dentro de poucas
semanas. O HOMPO está salvo!
Dr. Álvaro
nunca mais teve notícias deles. Muito menos de qualquer equipamento, que
aliviasse a penúria em que se encontrava o hospital. E que se encontra até
hoje.
Daí o famoso ditado: "Quando e esmola é demais, o mendigo se borra..."
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