O LUTO E A TORTA DE MAÇÃ
O luto é o tempo da saudade, das lembranças, da solidão, do remorso, por vezes do desespero. A mente retorna à experiência de uma vida muito compartilhada numa conversação aberta, fértil troca de ideias e pensamentos expostos sem censura. Um ou outro desejo silenciado. É essa a tessitura da convivência harmônica. A vida transcorreu como se as ameaças cotidianas fossem unicamente vislumbres de um futuro muito, muito distante. Mas elas estavam lá sempre à espreita.
Remorso não tenho das palavras atravessadas, do que poderia ter sido dito, de desculpas nunca verbalizadas. Não almejando a perfeição fui até onde consegui. O que me mortifica são as tortas de maçã que deixei de fazer. Numa gaveta da geladeira ficaram cinco maçãs verdes à espera de uma torta que foi sendo adiada. Foram ficando. O desinteresse pela vida contagia. Cozinhar para que? Qual é mesmo o sentido de acordar de manhã, se arrumar para o trabalho, tomar café (que difícil que desce esse café!), dirigir até o trabalho, escutar histórias banais tidas como trágicas, escutar histórias trágicas e prescrever um analgésico para dor de garganta? Então é disso que se trata estar vivo? É!
Hoje celebramos o dia dos pais com três pais ausentes: dois mortos e um distante. Todos muito importantes para as quatro filhas que aqui estamos. Cada um a seu modo absolutamente insubstituível como é natural que seja. Hoje a torta de maçã foi ao forno e sem falsa modéstia estava perfeita. Não poderei jamais e nem quero saber se minimamente se aproximou daquela feita pela mãe, aquela da memória afetiva. Por vezes tentei inovar: sem tampa, com creme de gemas, tarte tatin. Nenhuma convenceu: “eu gosto de torta com recheio massa em cima e em baixo.” Para os entendidos está dito. Que arrogância que é tentar competir com mãe!
Gostava muito que você estivesse aqui comendo essa torta que foi feita para você, André. Servi um vinho italiano no almoço, fiz um churrasco de bife ancho muito bom, tomates, cebolas e abobrinhas assados na brasa como você gostava! E preciso contar que a Gabi está linda com o cabelo cortado curto e pintado de ruivo. Está a cara da Shirley MacLaine quando muito jovem, mas não pode falar que ela fica encabulada. As meninas estão com saudades e eu também. “Com açúcar e com afeto..."
Que força que eu faço às vezes para não chorar!... (PSV)
ResponderExcluirQue pena que você nos deixou André. Mas as lembranças e os momentos compartilhados, maravilhosos que foram, estes ficarão guardados com amor. Beijos e carinhos para você Mercedes.
ResponderExcluirLindo texto, Mercedes. Quem sente e escreve assim não pode parar de escrever, nem de cozinhar.
ResponderExcluirConcordo Moisés!
Excluir👍🏼
ExcluirQue lindo! Não consegui conter as lágrimas aqui.
ResponderExcluirQue o André esteja desfrutando de seu descanso merecido, em paz e se refazendo dessa doença que tanto o fez sofrer!
Lindas palavras! Gabi e eu lemos juntas à beira do fogo, no jardim seco e frio de agosto, assistindo a lenha queimar. Não nos contemos e nem tentamos. Choramos toda dor e saudade que tínhamos para chorar. Compartilhamos em silêncio nosso amor pelo avô e pai tão amado!
ResponderExcluir