Uma palavra estranha: misocinesia. O radical miso indica raiva, ódio; cinesia se refere a movimento. “Em resumo: os pequenos gestos irritantes dos outros que disparam nossos gatilhos de ódio”. É o que afirma Leandro Karnal, para O Estado de S.Paulo (24 nov 2021), na bela crônica intitulada O diabo das pequenas coisas.
Ao pé da letra, portanto, misocinesia significa “ódio aos movimentos”, uma forte resposta emocional negativa a movimentos pequenos e repetitivos de outras pessoas. Trata-se de condição comum: estudo publicado no periódico Scientific Reports mostrou que um terço da população é misocinésica.
Karnal faz referência a uma segunda palavra igualmente estranha: misofonia. “Sons como o estalar de dedos e outros podem despertar em algumas pessoas um ataque de fúria”, explica ele.
Como surgem, pergunta Karnal. “Segundo o estudo da UBC, é que nossos neurônios-espelhos seriam ativados com a repetição. São os que impulsionam a seguir o que estamos presenciando. Sumeet M. Jaswal e Todd Handy, pesquisadores do tema, reconhecem que não sabemos exatamente por que a irritação cresce tanto em algumas pessoas.”
Agora a parte mais interessante dessa história. Segundo Karnal, “Santa Teresinha do Menino Jesus, a popular doutora da Igreja, afirmava que sofria de misocinesia. Tinha antipatia por uma religiosa no claustro e o simples fato de a confreira agitar seu rosário a irritava. ... No mesmo texto que ela identifica o horror do simples manejo das contas do rosário, a mística católica indica a solução. Passou a combater a antipatia. Criou reação oposta: todas as vezes que cruzava com a freira que a irritava, Teresinha sorria e manifestava alguma fala simpática e de acolhimento. A religiosa chegou a perguntar a ela sobre o sorriso, desconfiada. Nossa ex-irritada combateu sua disposição de antipatia e a transformou em empatia treinada e eficaz. Uma autossugestão funcional.”
De fato, reconhecer o problema em si próprio constitui o primeiro passo para a solução. Entretanto, esta mesma solução não vem com facilidade, automática, só porque agora eu sei que que o problema existe. (Talvez isso funcione no caso de uma Santa...) Difícil “domesticar” nossos sentimentos, em especial o ódio profundamente enraizado em nós.
Nas situações mais graves, quando o distúrbio acarreta intenso sofrimento psíquico, a abordagem psicanalítica pode ajudar. Quando analista e analisando podem trabalhar, quando a dupla analítica funciona, é possível encontrar no Inconsciente as verdadeiras razões para comportamentos estranhos, definidos por palavras estranhas.
https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-diabo-das-pequenas-coisas,70003906723
Ótimo texto. Leitura obrigatória aos casais que desejam continuar juntos e unidos.
ResponderExcluirMoi, que interessante, nunca tinha pensado antes, mas tenho odiado bastante, vou refletir e tentar tolerar um pouco mais. Grande abraço do Véi!
ResponderExcluirQue honra, Carlitos! Obrigado!
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