A
organização é do prolífico Sérgio Rodrigues: as CARTAS BRASIEIRAS têm como subtítulo Correspondências históricas, políticas, célebres, hilárias e
inesquecíveis que marcaram o país. (Edição Companhia das Letras, 2017.)
A capa, de
autoria de Raul Loureiro é belíssima, valorizada pelo grande formato do livro (21
x 27,5 cm), que traz 80 cartas de Olga Benário, Chico Buarque, Lampião, Hilda
Hilst, Leminski, Ana Cristina Cesar, Olavo Bilac, Clarice Lispector, Drummond,
Tarsila do Amaral, e outros tantos famosos.
Tocou-me particularmente
a carta escrita por José Freire Silva, pai do hoje mundialmente conhecido
Nelson Freire, enviada ao filho quando este tinha apenas seis anos, e já “assombrava
professores com seu prodigioso talento ao piano”, assinala Rodrigues.
Assim José
Freire da Silva conclui sua carta:
“Em
junho de 1950, portanto, uma decisão embaraçosa se apoderou de mim e de tua
mãe, colocando-nos diante de um dilema de difícil solução. Devemos dar razão ao
nosso coração? Permanecer em nossa querida terra? Criando-te como o fizemos com
os nossos outros filhos, no ambiente de paz e de concórdia onde se acham
localizados os nossos interesses materiais e onde nos prendem os laços mais
caros do sentimento familiar? Ou, por outro lado, rumaremos para o Rio, onde o
custo da vida é muitíssimo mais dispendioso e o ambiente meio padrasto em
infusões afetivas, mas onde as tuas aptidões poderão desenvolver-se
ilimitadamente? Depois de muito meditar, resolvemos seguir esta última vereda,
entregando nosso futuro a Deus. Cumprindo a nossa obrigação, deslocamo-nos do
interior de Minas para a capital da República, com a finalidade primordial de
acompanhar-te os passos, porque ainda não prescindias de nossa companhia e de
nossa assistência, mas o teu destino, este nós o colocamos na mão de Deus.
Afetuosamente,
o Papai”
Quanto
afeto, quanta intimidade! E que enorme responsabilidade depositada nos ombros
de um menino pequeno!
Uma carta
como esta (o princípio é fundamental para compreendê-la, mas não o transcrevo aqui
para que o possível leitor deste blogue se interesse pela compra do livro), lê-se
como quem lê um romance. Como reagiram os irmãos do prodígio? Como eles se
adaptaram à vida da cidade grande? Que sentimentos Nelson Freire carregou e
carrega vida afora sobre este episódio? Estas e outras perguntas podem ocorrer
a qualquer leitor da carta. Não sei se as respostas foram algum dia publicadas.
Assim
acontece com as outras cartas: despertam em nós questões que nos afetam particularmente.
Escreve
Sérgio Rodrigues na Apresentação do livro:
“O tempo
das cartas passou, levado pelo tsunami digital que varreu o mundo, mas a velha
correspondência manuscrita ou datilografada conserva seu poder mágico de
máquina do tempo. Poucas coisas são tão capazes de nos transportar inteiros,
cabeça e coração, para outras eras, outros mundos e mentalidades.”
Meu gosto
pela literatura epistolar (descrito por um certo amigo como bisbilhotice) tem
sido insistentemente registrado neste blogue. Além disso, fica evidente meu
gosto por também escrever cartas, muitas vezes encarnado em diferentes personagens.
Impedível,
as Cartas Brasileiras!
Cartas em papel, manuscritas ou datilografadas, são preciosidades. Não se deveria abandonar esse costume!
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