O Encontro Folha de Jornalismo, realizado em 18/2 no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, reuniu
três grandes cronistas da imprensa brasileira, e a eles foi perguntado O que é crônica?
A atriz Fernanda Torres, colunista da Folha, ressaltou que
aparentemente nenhum país dá tanta atenção à crônica como o Brasil. E aventou a
possibilidade de que sejamos um país com tendência menos acadêmica, "um
país do improviso e do sentimento pessoal em relação às coisas".
Luis Fernando Verissimo, que escreve em
O Globo e O Estado de S. Paulo, lembrou que sempre tivemos escritores
cronistas, começando por Machado de Assis. Afirmou que o gênero "dá uma liberdade
que nenhum outro dá", e brincou: "Crônica é tudo aquilo que a gente
disser que é crônica".
Ruy Castro, colunista da Folha e autor de biografias de Nelson
Rodrigues e Garrincha, contou que fica "constrangido de passar a semana
inteira falando abobrinha”.
Os três concordam quanto ao predomínio
da crise política atual sobre os demais assuntos, e que "a realidade
brasileira nos tornou a todos monotemáticos: Dilma, Lula, o que vai ser
deles?"
Infelizmente o Louco não estava
presente ao encontro entre as três celebridades, ele que aprecia tanto o gênero
e procura cultivá-lo neste blog, sem a excelência daqueles mestres. Mas
confesso que esperava uma definição mais apropriada do que vem a ser uma
crônica.
Talvez o assunto não seja mesmo tão
simples. Quando coloquei no Google o enunciado Definições de crônica, surgiram 427.000 resultados! Eis uma definição mais geral, e que parece um bom
começo de conversa:
“Crônica
é uma narrativa
histórica que expõe os fatos seguindo uma ordem cronológica. A
palavra crônica deriva do grego "chronos" que significa
"tempo". Nos jornais e revistas, a crônica é uma narração
curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma seção habitual do periódico,
na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos relacionados a arte,
esporte, ciência etc.”
O
nascimento da crônica,
de autoria de Machado de Assis, de fato dá ênfase ao cotidiano mais mundano:
“Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a
crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas
vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para
debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma
dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do
que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e
logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais
fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.”
Um
salto aleatório no tempo nos leva a Arthur da Távola, que publicou
interessante definição, já em consonância com sua época, em O Dia, em 27/06/2001:
“A
crônica é a expressão das contradições da vida e da pessoa do escritor ou
jornalista, exposto que fica, com suas vísceras existenciais à mostra no
açougue da vida, penduradas à espera do consumo de outros como ele,
enrustidos, talvez, na manifestação dos sentimentos, idéias, verdades e
pensamentos... É compacta, rápida, direta, aguda, penetrante, instantânea
(dissolve-se com o uso diário), biodegradável, sumindo sem poluir ou
denegrir, oxalá perfume, saudade e algum brilho de vida no sorriso ou na
lágrima do leitor... Terna como a amamentação e insegura como toda primeira
vez. Religiosa como a portadora do mistério e agnóstica como um livre
pensador. A crônica nos obriga à síntese, à capacidade de condensar
emoções em parágrafos-barragem. Faz-nos prosseguir, mesmo quando nos
sentimos repetitivos. É, pois, a expressão jornalístico-literária da
necessidade de não desistir de ser e sentir. A crônica é o samba da
literatura.”
Devemos
admitir que Távola acrescenta ideias e conceitos sobre a crônica moderna, mais
que um simples feixe de fofocas.
Não podemos
deixar de incluir nesta crônica sobre
crônicas aquele que é considerado um verdadeiro mestre do ramo, Rubem
Braga, nascido em Cachoeiro do Itapemirim, e que se notabilizou pelas crônicas de
caráter poético. Eis um bom exemplo, em Meu
ideal seria escrever... (1967):
“Meu ideal seria
escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela
casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que
chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais
engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas
ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito
e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história
fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida
de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o
próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é
mesmo muito engraçada!".
Há quem afirme que “o
Brasil é um país de cronistas”, e isso é dito em tom francamente pejorativo,
como se se tratasse de gênero menor, e que nossa literatura não passasse disso.
Não posso concordar, nem com uma coisa nem com outra. Grandes escritores,
grandes poetas, dedicaram-se também à arte da
crônica; Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo.
Penso que atualmente reina soberano no
gênero o gaúcho Luis Fernando Verissimo. E sua afirmação de que "Crônica é
tudo aquilo que a gente disser que é crônica" agrada muito ao Louco e o
deixa mais tranquilo.
Paramos por aqui, que a crônica dever
ser curta!
O louco tem sido também um exímio cronista. Encontrar no miúdo quotidiano um pensamento original e vivaz é arte sutil.
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