A última crônica de Eliana
Cardoso no suplemento Eu & Fim de Semana, do Valor Econômico (27/11), traz
como título um dos temas preferidos deste Louco: O ofício da escrita. Diante da questão “Por que escrevemos?”, a articulista afirma:
“Minha razão é egoísta. Escrevo porque o processo da
escrita me ajuda a entender coisas e pessoas, a formar a própria opinião sobre
um livro, um evento, um problema. Escrevo sobre o que me inquieta enquanto caço
um fim, que, não sendo final, seja ao menos satisfatório. “Escrever é sentar em
julgamento de si mesmo”, Ibsen anotou em algum lugar. Escrevo pelo prazer de
reescrever, repensar, editar e lamber a cria.”
Atrevo-me a discordar de Eliana: tais argumentos não
configuram qualquer sinal de egoísmo. Cuidar de si nunca pode ser considerado
egoísmo. Significa, isso sim, o quanto ela e todos os que escrevem prezam a
própria vida e dela cuidam com zelo.
Às tantas, Eliana envereda por um caminho surpreendente,
o das oficinas de escrita. Surpreende porque polêmico: para alguns, tais
oficinas são verdadeiro embuste, total perda de tempo para o suposto aprendiz,
meio de vida pouco honesto para o “professor”. A articulista esquenta a
polêmica:
“Se Ian McEwan considera praticamente impossível ensinar
alguém a escrever em oficinas de escrita criativa, Vonnegut discorda. Muitos
autores importantes, diz ele, desprezam esses cursos, mas tiveram editores
experientes que lhes sugeriram como limpar seus textos. Thomas Wolfe e Ernest
Hemingway contaram com Maxwell Perkins, um dos maiores editores de ficção de
todos os tempos. Uma boa oficina oferece uma experiência semelhante ao escritor
iniciante. Os melhores professores, como os melhores editores, são excelentes
guias, mesmo que não sejam bons escritores eles mesmos.”
A essas considerações segue-se uma revelação ainda mais
surpreendente:
“Passo as tardes de quinta-feira na casa de uma amiga onde
um grupo de escritoras se reúne, sob a batuta de um professor-editor, para ler
e criticar a ficção de cada uma das participantes. Sempre aprendo alguma coisa
nessas reuniões e me divirto muito.”
Há alguns anos este blogueiro viveu experiência bastante
enriquecedora ao criar uma oficina de escrita, constituída em sua maioria por
um grupo de psicanalistas em formação, experiência esta relatada no livro O mito do vaso partido e outros escritos
(Exlibris Editora, 2010).
Utilizei-me à época de considerações apresentadas por
Sigmund Freud, no artigo Escritores
criativos e devaneio, e reproduzo aqui pequeno trecho por julgar oportuno:
“Nós, leigos, sempre sentimos uma intensa curiosidade em
saber de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu
material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções
das quais talvez nem nos julgássemos capazes.”
Freud assinala ainda que nem mesmo o próprio escritor é
capaz de apresentar uma resposta satisfatória a esta questão. Em algum outro lugar
ele sugere que é do Inconsciente que se retira tão precioso material.
A questão que agora se impõe é:
será possível que uma oficina de escrita possa estimular essa fonte de
criatividade? Penso que sim. A formação de um grupo com objetivo comum,
sinceramente voltado para o desejo de escrever, orientado por um professor, ou
por um não-professor, porém com a capacidade de motivar o grupo para o exercício
de uma escrita livre, que haverá de se aprimorar com o tempo, penso que se
trata de experiência perfeitamente cabível.
A qualidade
dos componentes do grupo – de um verdadeiro “grupo de trabalho”, na concepção de W. R. Bion –, é fundamental
para o êxito da empreitada.
Não posso responder por ninguém mais; de minha parte,
embora de qualidade bastante inferior – um gênio da literatura, este sim, nasce
pronto! – depois da oficina não parei de escrever. Se o leitor for paciente e
reler o parágrafo inicial de Eliana Cardoso, há de concordar com o que este
blogueiro vem afirmando com convicção, a existência de uma função terapêutica da escrita.
A disponibilidade de fácil criação de um blog na Internet
tornou-se ferramenta auxiliar de primeira grandeza para aquele que deseja
escrever, “entender coisas e pessoas”, “formar opinião sobre um livro, um
evento, um problema”, ou pelo simples “prazer de reescrever, repensar, editar e
lamber a cria”, como diz Eliana Cardoso.
É disso que se alimenta este Louco por cachorros.
Acho que há um engano de proposição: as oficinas de escrita não devem ter o propósito de "ensinar a escrever". A finalidade deve ser outra: despertar, apurar a acuidade para o texto, refinar a sensibilidade para o escrito, na medida em que se observa o que nós mesmos não enxergamos, mas que o companheiro de grupo enxergou. A função é catalizadora. E às vezes apenas a modesta finalidade de conseguir escrever correta e claramente, para aqueles sem outra pretensão mais ambiciosa. O que já não é pouco!
ResponderExcluirGrandes mestres de música e artes plásticas tiveram seu professores, o que não significa que foram gênios da arte por conta desses professores. Vale para a vida: conviver ajuda a viver, embora não se possa dizer que ensina: viver é de cada um.
Os excepcionais, sejam eles artistas ou não, já nascem prontos; ou melhor, se prontificam mais rapidamente que os demais. À parte esses extraordinários, nós, os ordinários, precisamos de uma ajuda mais substancial no processo de aprendizagem; e isso não é diferente para o ato de escrever. No caso de oficinas, concordo plenamente com o Dr Paulo sobre seu papel aprimorador e não formador. Na minha modesta opinião e para apimentar a discussão, creio ser mais importante para a evolução de um escritor uma oficina de leitura que de escrita.
ResponderExcluirNenhum ser humano nasce pronto!! A segunda pessoa mais interessante que conheci na vida, acreditava que " a bailarina não nasce bailarina, torna-se uma, apos muito pratica e esforço". Creio que isto é aplicável em todo na vida, a gente adquira conhecimento e depois dependendo de cada pessoa e das circunstancias da vida torna-se excepcional ou não!!
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