segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O elevador

Quando pegou o elevador no trigésimo segundo andar do prédio onde morava, dirigindo-se ao escritório, como fazia todas as manhãs nos últimos vinte e cinco anos, Alcebíades não poderia imaginar o que lhe esperava no hall do Edifício Mozart, num bairro de gente rica na cidade grande.
            A despeito de se tratar de um arranha-céu – como se dizia nos bons tempos de juventude de Alcebíades – o elevador do edifício era dos antigos, lento, com porta pantográfica, rangedor nas subidas e descidas, qualidades apreciadas pelo antigo morador.
            – Assim disponho de tempo para exercitar a arte de pensar no começo de um novo dia!
            Ao iniciar a descida, Alcebíades especulava sobre o que lhe esperava no escritório, dissabores certamente em maior número que prazeres.
– Como na vida!, ele gostava de repetir, Como na vida!
Entrevistas enfadonhas. Pessoas desagradáveis. Bajuladores deslavados, os piores. Às vezes Alcebíades mostrava-se com olhar alheio à conversa, voava para terras distantes, para sua infância, muito mais limpa, clara, simples. As coisas haviam se complicado, era forçoso reconhecer.
            Alcebíades exercia funções de poder e mando de certa magnitude. Ao longo daquela lenta descida ele pensava em como evitar que aquele mesmo poder lhe subisse à cabeça. Naqueles poucos minutos ele buscava exercer a autocrítica, para que o autoengano ocorresse o mínimo possível.
            Em certos dias seus pensamentos vagavam sobre os acontecimentos do dia anterior, ou da semana anterior. O que estava feito, isso ele não poderia mudar. Mas podia pensar sobre o que havia feito. Admitia a possibilidade de aprender com os próprios erros. Mas o que era erro ou acerto, naquela confusão em que havia se metido?
            Em outros dias descia pensando no filme que assistira com a mulher na noite anterior. Ah!, a mulher! Em que havia se tornado seu casamento? Este era um tema impossível de exaurir-se até que o elevador atingisse o térreo. Ficava claro apenas que alguma coisa precisava ser feita. Mais tarde voltaria ao tema, talvez pudessem conversar, ele e a esposa.
             Alcebíades considerava-se um boa praça. Quase sempre bem humorado, tinha o respeito, se não uma ou outra amizade, de seus pares, que o consideravam um homem sensível, honesto, acima de tudo fiel aos amigos. Mas que tipo de amigos?
            A ideia de que era plenamente aceito no meio em que transitava apaziguava-o quando o elevador já se aproximava do final do percurso de descida. Era uma sensação boa, acalmava-o, a prenunciar um dia tranquilo de trabalho. Às vezes sobrevinha-lhe uma sombra, a perguntar se não seria apenas sentimento de autoindulgência. Que fosse, vá lá, ninguém é de ferro...
            Se descia pensando no encontro que teria com a amante naquele dia, Alcebíades chegava a esboçar um sorriso de felicidade. Onde almoçariam? Provavelmente ela já havia reservado um bom restaurante, discreto, de boa comida, bons vinhos; depois iriam para o apartamento dela. Havia cancelado todos os compromissos daquela tarde, por mais importante que fosse o figurão.
            Agora o elevador emitia um som estridente, característico da chegada ao destino final. Dava um leve solavanco, diminuía ainda mais a velocidade de descida, e suavemente chegava ao térreo. Aberta a porta pantográfica e em seguida a pesada porta de madeira maciça, a claridade do hall chegava a ofuscar as pupilas de Alcebíades, que cerrava parcialmente as pálpebras, levantava a cabeça e voltava à realidade.
            Naquele dia o hall estava inusitadamente cheio. Dirigiu-lhe a palavra um homem de óculos escuros, com a farda da Polícia Federal:
            – O senhor se chama Alcebíades Moreira Dias de Almeida Castro?
            – Sim, sou eu mesmo...
            – O senhor está preso. Tudo que disser a partir de agora...



2 comentários:

  1. Boa história! Poderia estar sob o marcador "Baseado em fatos reais"...

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  2. Está na hora de o louco pensar em editar em livro um volume dessas saborosas histórias!

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