Quando pegou o elevador no
trigésimo segundo andar do prédio onde morava, dirigindo-se ao escritório, como
fazia todas as manhãs nos últimos vinte e cinco anos, Alcebíades não poderia
imaginar o que lhe esperava no hall do Edifício Mozart, num bairro de gente
rica na cidade grande.
A
despeito de se tratar de um arranha-céu – como se dizia nos bons tempos de
juventude de Alcebíades – o elevador do edifício era dos antigos, lento, com
porta pantográfica, rangedor nas subidas e descidas, qualidades apreciadas pelo
antigo morador.
–
Assim disponho de tempo para exercitar a arte de pensar no começo de um novo
dia!
Ao
iniciar a descida, Alcebíades especulava sobre o que lhe esperava no
escritório, dissabores certamente em maior número que prazeres.
– Como na vida!, ele
gostava de repetir, Como na vida!
Entrevistas enfadonhas.
Pessoas desagradáveis. Bajuladores deslavados, os piores. Às vezes Alcebíades
mostrava-se com olhar alheio à conversa, voava para terras distantes, para sua infância,
muito mais limpa, clara, simples. As coisas haviam se complicado, era forçoso
reconhecer.
Alcebíades
exercia funções de poder e mando de certa magnitude. Ao longo daquela lenta
descida ele pensava em como evitar que aquele mesmo poder lhe subisse à cabeça.
Naqueles poucos minutos ele buscava exercer a autocrítica, para que o
autoengano ocorresse o mínimo possível.
Em
certos dias seus pensamentos vagavam sobre os acontecimentos do dia anterior,
ou da semana anterior. O que estava feito, isso ele não poderia mudar. Mas
podia pensar sobre o que havia feito. Admitia a possibilidade de aprender com
os próprios erros. Mas o que era erro ou acerto, naquela confusão em que havia
se metido?
Em
outros dias descia pensando no filme que assistira com a mulher na noite anterior.
Ah!, a mulher! Em que havia se tornado seu casamento? Este era um tema
impossível de exaurir-se até que o elevador atingisse o térreo. Ficava claro
apenas que alguma coisa precisava ser feita. Mais tarde voltaria ao tema,
talvez pudessem conversar, ele e a esposa.
Alcebíades considerava-se um boa praça. Quase
sempre bem humorado, tinha o respeito, se não uma ou outra amizade, de seus
pares, que o consideravam um homem sensível, honesto, acima de tudo fiel aos
amigos. Mas que tipo de amigos?
A
ideia de que era plenamente aceito no meio em que transitava apaziguava-o quando o elevador já se aproximava do final do percurso de descida. Era uma
sensação boa, acalmava-o, a prenunciar um dia tranquilo de trabalho. Às vezes
sobrevinha-lhe uma sombra, a perguntar se não seria apenas sentimento de autoindulgência.
Que fosse, vá lá, ninguém é de ferro...
Se
descia pensando no encontro que teria com a amante naquele dia, Alcebíades
chegava a esboçar um sorriso de felicidade. Onde almoçariam? Provavelmente ela
já havia reservado um bom restaurante, discreto, de boa comida, bons vinhos;
depois iriam para o apartamento dela. Havia cancelado todos os compromissos
daquela tarde, por mais importante que fosse o figurão.
Agora
o elevador emitia um som estridente, característico da chegada ao destino
final. Dava um leve solavanco, diminuía ainda mais a velocidade de descida, e
suavemente chegava ao térreo. Aberta a porta pantográfica e em seguida a pesada
porta de madeira maciça, a claridade do hall chegava a ofuscar as pupilas de
Alcebíades, que cerrava parcialmente as pálpebras, levantava a cabeça e voltava
à realidade.
Naquele
dia o hall estava inusitadamente cheio. Dirigiu-lhe a palavra um homem de
óculos escuros, com a farda da Polícia Federal:
–
O senhor se chama Alcebíades Moreira Dias de Almeida Castro?
–
Sim, sou eu mesmo...
–
O senhor está preso. Tudo que disser a partir de agora...
Boa história! Poderia estar sob o marcador "Baseado em fatos reais"...
ResponderExcluirEstá na hora de o louco pensar em editar em livro um volume dessas saborosas histórias!
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