A ideia de
um escritor português nascido em Angola escrever um livro cuja história se
passa na Islândia parece por si só extravagante.
A outra ideia, central no romance, é
bastante original: uma das irmãs gêmeas morre, e a outra passa a ser chamada de
“a menos morta”. Havia uma mais morta e outra menos morta. A menos morta diz,
“Éramos gémeas. Crianças espelho. Tudo em meu redor se dividiu por metade com a
morte.”
Estou falando do último livro de
Valter Hugo Mãe (agora com maiúsculas), A desumanização (Cosac Naify, 2014). Não
se trata de um livro fácil, definitivamente. Causa no leitor uma espécie de
desconforto, de estranhamento depressivo, sensação de vazio. Há um fosso
medonho no alto da montanha, chamado de “a boca de deus”, de onde as pessoas
são jogadas e desaparecem. Medo, acho que senti medo com a leitura de A
desumanização. Até os nomes dos personagens soam misteriosos: Sigridur, Halla,
Einar, Thurid, Hilmar. E a história, que o autor apenas nos deixa entrever,
pois é contada cheia de lacunas, é tristíssima, como sugere o título do romance.
O que nos chama mesmo a atenção é a
linguagem utilizada por Mãe, linguagem verdadeiramente poética e encantadora,
de um forte lirismo trágico. Eis uma pequena amostra:
“Achei que a minha irmã podia brotar
numa árvore de músculos, com ramos de ossos a deitar flores de unhas. Milhares
de unhas que talvez seguissem o pouco sol. Talvez crescessem como garras
afiadas. Achei que a morte seria igual à imaginação, entre o encantado e o
terrível, cheia de brilhos e susto, feita de ser ao acaso. Pensei que a morte
era feita ao acaso.”
Podemos dizer que a leitura do curto
romance de Mãe – são apenas 150 páginas – constitui-se num desafio que, no meu
ponto de vista de simples leitor, vale a pena enfrentar.
A morte, o vazio, o questionamento do que é humano, o assustador não saber. São temas eternos e universais. Um português vai à Islândia e lá depara com eles, tais como em sua própria terra. Vamos ler.
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