Perguntado se uma pessoa
não religiosa poderia compor música religiosa, Igor Stravinsky respondeu que
não. Ele mesmo, um crente, compôs música sacra, incluindo, perto do final da
vida, em 1966, um réquiem em estilo dodecafônico, intitulado Requiem Canticles, para dois solistas
(contralto e baixo), coro e pequena orquestra. Por sua curta duração –
aproximadamente 15 minutos – ficou conhecido como “Réquiem de bolso”. A peça
foi executada nos funerais do compositor, cinco anos depois.
Para os que desejarem ouvir
a composição:
Ao tomar conhecimento
daquela assertiva, e em seguida ouvir o réquiem interpretado pela Osesp e coro
da orquestra, na Sala São Paulo, no último fim de semana, e tendo gostado
imensamente, ocorreu-me a questão inversa: como é possível que um ateu ame com
tamanha intensidade a música sacra?
O Réquiem em Ré menor
(K.626), de Mozart, ouço-o nas manhãs de domingo, há muitos anos, e ainda me
emociono às lágrimas com a Lacrimosa:
Lacrimosa
Lacrimosa dies illa,
Qua resurget ex favilla.
Judicandus homo reus:
Huic ergo parce, Deus.
Pie Jesu Domine,
Dona eis requiem. Amen.
Lágrimas
Dia de lágrimas, aquele,
No qual, ressurgirá das cinzas,
Um homem para ser julgado;
Portanto, poupe-o, ó Deus.
Ó, misericordioso, Senhor Jesus,
Conceda-lhe a paz eterna. Amém.
Lacrimosa, na interpretação de Herbert von Karajan:
A
Missa Solene e a Missa em Dó maior (Op. 86) de Beethoven também figuram entre
minhas favoritas. Sem falar do Réquiem de Brahms, uma pequena joia, e do
Réquiem de Verdi, um monumento musical. A lista é enorme, cito apenas algumas
obras, mas não posso deixar de me referir a Arvo Pärt, compositor contemporâneo
nascido na Estônia (1935), adepto do estilo minimalista, com vasto repertório
de música sacra. Eis uma pequena amostra, a belíssima Salve Regina, de Arvo Pärt:
Não
tenho a resposta para a minha própria pergunta, e nem por isso deixo de gostar
de música sacra, a despeito de meu ateísmo. Dirão os que creem, possivelmente,
que se trata de um sentimento nato, “oceânico”, comum a toda humanidade,
verdadeira prova da existência de Deus. Dirão os que não creem, que se trata de
questão puramente estética, que a indiscutível beleza da música sacra, quase
sempre acompanhada da voz humana, por solistas e coro, é capaz de emocionar as
pedras.
O que posso concluir é que, se
a religião não fez mais nada pela humanidade, pelo menos foi responsável pelo
surgimento de uma música que poderíamos chamar de divina.
Dr, conheço alguns ateus que, além de apreciar músicas sacras, parecem devotos de santos, dada a quantidade de pinturas e imagens desses personagens, não menos sacros, que conservam em suas casas. Eu consideraria no mínimo curiosa a cena de um ateu emocionando-se ao ouvir a Paixão Segundo São Mateus de Bach, tendo ao seu lado, numa mesinha de canto, uma imagem bem esculpida do intrépido São Francisco de Assis, cuja personalidade o faz lembrar do Papa Francisco, alguém que ele passou a admirar.
ResponderExcluirConcordo com você, Roberto... São as insondáveis profundezas da alma...
ExcluirDeus deve achar graça dessas nossas perguntas... Melhor ficar só a ouvir a Sua voz pela música desses porta-vozes maravilhosos.
ResponderExcluirO que me enche de espanto e perplexidade é a humana habilidade para compor tais músicas. Somos capazes do melhor e do pior...
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