Parte II
Capítulo I
(Romance em construção,
vivido em Londres nos anos 80)
...
– que
agonia meu deus!, dá vontade de entrar no outro!,
– a bonito isso, Bia, é o que
se pode chamar de paixão
: Uma Agonia Que Dá Vontade De Entrar No Outro,
– pois é
o que estou sentindo por você agora, Sérgio,
– e eu
por você, Bia, meu amor,
– de
onde é que você surgiu assim de repente sem avisar nem nada e invade a minha
vida, Sérgio?,
– senti
seu cheiro, Bia, vim correndo,
–
cheiro?, perfume não fica mais bonitinho?,
–
frescura, é cheiro mesmo, de sua boca, de seu suor, de sua boceta,
– ai meu
deus!,
– pois
é, você rescendeu do lado de cá do Atlântico, eu estava do lado de lá,
sossegado em Ribeirão, dando meus plantões na Santa Casa de Misericórdia, senti
seu cheiro, vim correndo,
– seu
bobo, você nem me conhecia, como é que podia saber que o cheiro era meu?,
– saber
não sabia, mas sabia que havia alguém muito especial por trás desse cheiro, e
encontrei você,
– e eu
não sabia que algum dia ouviria isso de um paulista branquelo e judeu ainda por
cima!,
– devo
ouvir isso como três elogios?,
– você
bem sabe que sou ateia, Sérgio,
– e eu ,
um judeu nada ortodoxo,
– ainda
bem, ou não estaríamos nessa cama a estas horas da matina.
Talvez seja necessário
explicar ao leitor de onde surgiu este tal Sérgio. Chegou a Londres vindo
diretamente de Ribeirão Preto, o Centro do Mundo para os autóctones, Berçário
de Gênios, por aí afora, uma cidade do interior de São Paulo cheia de caipiras
como tantas outras, não para os nativos, visto está. Mas Sérgio não era
propriamente um caipira. Alto, magro, uma barba cerrada, olhos claros, o andar
corcunda, o que mais chamava a atenção nele era a fala mansa, pausada, de quem
pensa duas vezes antes de falar.
Professor universitário em sua cidade, vinha a Londres
para um estágio na Unidade de Doenças Respiratórias, no mesmo hospital onde
trabalhava Beatriz.
Embora tenham se encontrado
num momento difícil para ambos, Beatriz às voltas com a complicada pesquisa,
Sérgio recém chegado com as mesmas dificuldades iniciais com a língua, o que
ocorreu foi o que se chama de paixão a primeira vista, clichê inevitável. Ele,
um solteirão, ela divorciada, perdidos no mundo, atiraram-se um ao outro,
– sabe quando num filme o
casal transa primeiro para depois perguntar o nome do parceiro, parece que foi
isso que aconteceu com a gente, Sérgio,
– foi mesmo, Bia, como eu
disse, foi pelo cheiro.
Além de Pablo, agora Beatriz
tinha alguém mais com quem conversar sobre sua pesquisa, e ela sabia separar as
coisas muito bem,
– amor é amor, trabalho é
trabalho,
e mais do que nunca aplicava-se nos experimentos, cada
vez mais agressiva na hora de conseguir as necropsias e enfurecer os
patologistas, nada a demovia de seus objetivos,
–
preciso descobrir por quê não aparecem as veias do esôfago terminal, Sérgio,
quando injeto o contraste pela veia porta e radiografo as peças, aparecem
apenas as veias próximas do esôfago, mas o contraste para por ali, não
progride, e meu trabalho não sai do lugar, Sérgio, mas que merda,
– tenha
paciência, Bia, Ciência é isso, você não se meteu a cientista?, agora aguenta,
continue trabalhando,
– isso
você não precisa me dizer, mas que bom que posso repartir tudo isso com você.
De fato,
ela não desanimava.
Só você André ! Aposentar te fez bem, idade também e por último a vida pois escreve cada vez melhor ! Esqueci : o dom.
ResponderExcluirPS Bia não desanimava, hoje sim.
Que bom que gostou, Pripas...
ExcluirTexto vivo, pulsando, dialogos espertos, ótimo capítulo! Aguardamos os proximos, o livro todo. E em papel, também !
ResponderExcluirMeu amigo Aldo, que afirma estar gostando, chamou o texto de folhetim, e acrescentou: no bom sentido...
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