Certa
vez indiquei a um amigo português a leitura de O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago, referindo-me a uma obra prima que não poderia deixar de ser lida,
ainda mais por um compatriota do autor. Pouco tempo depois encontrei o amigo,
que foi taxativo, enfático, definitivo, Folheei o livro numa livraria e não o
lerei de forma alguma, aquilo é uma heresia.
Outra pessoa, bem mais próxima,
admirador de Saramago por algum tempo – fã ardoroso de O ano da morte de
Ricardo Reis – depois de ler o Evangelho, sacramentou, Nunca mais leio qualquer
livro do Saramago.
Se você é uma dessas pessoas, sugiro
que nem acabe de ler esta crônica, não perca seu tempo! Nem se irrite...
Após o alerta, vamos ao que
interessa: O testamento de Maria, de Colm Tóibín, tradução de Jorio Dauster,
Companhia das Letras, 2012. O livro é espetacular, é o mínimo que posso dizer.
O autor, nascido na Irlanda em 1955, é premiadíssimo, inclusive com o Booker
Prize em 2001.
Amedrontada, assustadíssima, isolada
do mundo, 30 anos após a morte brutal do filho, Maria relata obscuras
lembranças de um tempo difícil, tempo da possível origem do Cristianismo. “Meu
corpo é feito tanto de sangue e ossos quanto de memória”, alerta Maria no
início do livro. E continua:
“Eu me lembro de coisas demais; sou
como o ar num dia calmo, que se mantém parado e não deixa escapar nada. Assim
como o mundo prende a respiração, eu guardo as recordações dentro de mim”.
Maria
descreve o comportamento do filho desde a infância até a crucificação, analisa
os chamados milagres, o drama de Lázaro ressuscitado, discute os fatos “que já
estavam decididos”, fala do instinto de sobrevivência que a manteve viva
enquanto o filho morria na cruz e do sentimento de culpa daí advindo, humana
que é.
Sua
voz é ao mesmo tempo cheia de ternura e ódio.
O livro, de oitenta e poucas
páginas, pode ser descrito como de uma prosa lírica riquíssima, e a tradução
parece-me primorosa. Sem dúvida, um livro ousado, denso, brilhante,
inesquecível para aqueles que tiverem coragem para enfrentá-lo.
Vou ler! Este fim de semana vou à Cultura...
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