Preso no engarrafamento, pensou em fazer um poema.
- Amor é isso...
Empacou.
sexta-feira, 30 de março de 2012
Melancolia
- Vontade de pegar meu barco, botar no Lago e sumir no mundo. Chegou apenas à outra margem.
Réquiem de domingo
se ao menos neste domingo
eu tivesse obrigação
de ir à missa
mas nem isso:
pertenço à raça ruim
dos que não crêem
devo amargar, portanto
a minha solidão
pagar meus pecados
por aqui mesmo
junto a meus cães
chorar com o vento triste da manhã
no silêncio deste jardim triste
tendo como único consolo
que já não troco
minhas verdades
por uma ilusão qualquer
Espelho
se amar se aprende amando
desamar se aprende desamando
se sofrer se aprende sofrendo
desamar se aprende sofrendo
se esquecer se aprende esquecendo
lembrar se aprende amando
se perdoar se aprende perdoando
amar se aprende amando.
quinta-feira, 29 de março de 2012
Mérilin
Eu me chamo Mérilin. Nem é preciso dizer que se trata de homenagem àquela loura americana que deu para o presidente lá deles, os gringos, linda-linda-linda-de-morrer mas meio gordinha - quer dizer, gostosa para a época, gordinha para os dias de hoje, tempo de magricelas -, aquela que morreu de overdose, dizem, mas que continua viva como o Elvis que também não morreu, livros e livros e mais livros e fotografias e fotografias e mais fotografias sobre a vida dela, que o povo adora mesmo é fofoca, pois é, por causa dela minha mãe, fanática por cinema, botou esse nome em mim que, aliás, eu adoro!
Na escola eu era vítima: Méééééérilin méééééérilin méééééérilin, os meninos repetiam imitando o berro de cabrito ou de cabra, sei lá, mas eu não estava nem aí, sabia que era purinho despeito, inveja mortal, porque eles se chamavam Zé, João, Pedro, Pinto, Sousa, Silva, já se viu algum artista com um nome desses? Só se for o Zé do Caixão!
Mas tem uma coisa que não gosto: que as pessoas pensem que sou uma debiloide, uma retardada, uma lesa-pancada-miolo-mole, só porque a minha xará era loura e um pouco ingênua, talvez. Não preciso dizer que sou louca por cinema e que vi todos os filmes dela e achei ela meio bobinha mesmo. Ou os papéis que davam pra ela. Ela sempre com aquele ar-de-quem-não-sabe-de-nada.
Burra eu não sou. Tenho até um blog! Meu amigo Gui, um craque nesse negócio de blog, foi quem escolheu o nome, que eu aprovei sem pensar:
merilinpontocom.com.br
e estou pensando em ganhar algum dinheiro com ele, só preciso de patrocinadores, o que não vai ser difícil por causa do nome do blog e do meu próprio nome, é claro. O que escrevo no blog? Ora, escrevo sobre cinema, posso dizer que é minha especialidade, herdei o dom de minha mãe, e o meu nome deu um upgreide nessa habilidade. Também ajuda - ajuda? - o fato de que sou muito romântica, como minha mãe gosta de dizer, Mérilin, você é muito sentimental...
Escrevo também sobre televisão. Ontem vi na tv uma propaganda que mexeu comigo. Não me perguntem o que eles queriam vender porque quando a propaganda é muito boa a gente nem presta atenção no produto, só sente e guarda na memória aquilo que mexe com a gente. A noiva perde o buquê no momento de ir para a igreja. O buquê sumiu, O buquê sumiu, O buquê sumiu, ela grita desesperada. Afobadíssima, vai com a mãe a uma florista, que imediatamente se dispõe a preparar um lindo ramalhete de rosas brancas em botão. Foi aí que me emocionei: gostei de pronto da florista, mulher madura, calma, dona-de-si nos seus esplêndidos quarenta anos, e que fala ramalhete em vez de buquê. Sinto vontade de chorar ao ouvir a palavra ramalhete. Buquê não me diz nada, coisa de francês besta, pernóstico, pedante, que fala bouquet fazendo biquinho... Na minha terra se fala ramalhete. Não é lindo? Como o meu nome...
A imagem e as palavras
Do livro Paulo e Beatriz
Em visita à exposição recém aberta ao público, Beatriz estacou diante da grande tela colorida, alegre, cheia de vida, vibrante mesmo, flores, flores de todas as formas e tamanhos, muitas flores num verdadeiro jardim em vermelho e azul, denso jardim, e depois de contemplá-la extasiada por longo tempo buscou instintivamente na pequena nota ao lado o nome do artista: uma mulher: Beatriz Milhazes. Em seguida leu o título do quadro: Estive Feliz De Saber Que Você Está Bem.
Beatriz esqueceu a imagem e foi arrebatada pelas palavras.
Isso mais parece título de romance!, pensou. E ao pensar, bambearam-lhe as pernas, sobreveio a vertigem, empalideceu, o coração disparado saindo pela boca, a respiração ofegante, a vontade incontida de chorar. Chorou. Precisou de sentar-se, respirou fundo para volver a pensar. O que está acontecendo comigo? Por que meu corpo reage assim tão violentamente antes que meus próprios pensamentos possam vir à tona aclarados? De onde vem este bruto sentir em estado puro? Não foi a pintura que me desmontou, foi esta maldita frase, eu sei. Sei também que gosto ainda mais das palavras que das imagens. Foi sempre assim, antes mesmo de conhecer Clarice Lispector e seu coração selvagem. Agora, acho que é meu coração selvagem que grita!
Beatriz respirou fundo mais uma vez, levantou-se, desta feita nem olhou para o quadro, voltou a ler a frase que a desconcertara. Quem passasse diante daquela cena naquele preciso momento veria uma bela mulher de aproximadamente 50 anos, mais alta do que baixa, os cabelos cortados curtos a ressaltarem o longo pescoço à Modigliani, bem conservada de corpo, elegantemente vestida com simplicidade, parada diante da pequena nota ao lado que continha as especificações do quadro. Se você, prezado leitor, fosse também um visitante daquela exposição, se bom observador fosse e não estivesse com pressa, talvez antes mesmo de olhar para o quadro pudesse ver que a mulher se quedava imóvel, o olhar perdido, o rosto molhado de lágrimas, um leve tremor nos lábios, transbordando emoções de antigas lembranças em profundo silêncio. Ela estava só.
Para Beatriz, o nome dado ao quadro falava de uma história de amor - da sua história de amor. Tempo houve em que ela amou desesperadamente o seu homem; separaram-se, mas ela nunca deixou de amá-lo. Reencontraram-se fortuitamente num aeroporto de Paris, almoçaram juntos, puderam conversar; ela soube que ele estava bem, havia feito um bom casamento, constituíra família, tinha três filhos. Ela, por sua vez, pouco falou de sua própria intimidade. Despediram-se.
Ao voltar para casa, Beatriz percebeu que num determinado momento, em um país distante, ela esteve feliz de saber que ele estava bem. O que ela não pôde disfarçar, foi a sombra de tristeza e melancolia a toldar-lhe a alma diante de tais pensamentos.
Hoje, ao ver aquela pintura tão alegre, plena de vida, e ler seu título desconcertante - ah!, a força das palavras! -, a mesma sombra... O que podia ter sido e que não foi. Ao sair da exposição, Beatriz encontrou o céu azul, o sol brilhante, o ar fresco e perfumado da manhã de fim de primavera, a vida presente.
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