domingo, 3 de fevereiro de 2019

Deus acima de todos?


Após ser eleito presidente, Jair Bolsonaro acompanha oração
feita por Magno Malta. Reprodução/TV Globo


Oportuna, mas principalmente corajosa, a crônica de hoje de Hélio Schwartsman para a Folha de S.Paulo (3 fev 2019), com o sugestivo título Trevas cristãs. O subtítulo é bastante provocativo: “'Deus acima de todos' deveria provocar calafrios nas pessoas historicamente alfabetizadas. ...Sejam elas religiosas ou não”.
Afirma Scchwartsman: “nossos professores de história, todos eles esquerdistas, fracassaram miseravelmente em mostrar para seus alunos os crimes cometidos em nome de Deus. Um bom jeito de sanar essa falha é a leitura de “The Darkening Age” (a idade das trevas), de Catherine Nixey (há uma edição lusitana).”
“O cristianismo triunfou na Europa e cercanias destruindo o mundo clássico que o precedeu. O “destruir” deve ser interpretado literalmente, para incluir a pilhagem de templos, vandalização de estátuas, queima de livros e, é claro, tortura e assassinato de adversários. Para dar uma ideia da escala da destruição, estima-se que apenas 10% da literatura clássica tenha sobrevivido até a Idade Moderna. Se considerarmos só os latinos, o quadro é ainda pior. Só 1% do que foi escrito por romanos não cristãos foi preservado. Santos das Igrejas Católica e Ortodoxa, como João Crisóstomo, gabavam-se de ter feito desaparecer toda uma cultura.”
Conclui o brilhante articulista da Folha: “Há total semelhança entre “o que fizeram os cristãos dos anos 300, 400 e 500 o que fazem hoje membros do Taleban e do Estado Islâmico. A intolerância que militantes religiosos radicais mostram para com outros credos, os assassinatos praticados com requintes de crueldade e a insana “certeza” de estar obedecendo a comandos de um ente supremo infalível revelam quão perigoso é pôr Deus acima de tudo.” (O grifo é meu.)


Em vez de Catherine Nixey, eu gostaria de sugerir a obra completa de José Saramago, nosso Nobel de Literatura. In nomine Dei, peça de teatro que se passa na Idade Média, seria um bom começo, seguido de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, para terminar com Caim, esta a mais eloquente voz contra o desmando de um certo Deus, a que se refere Schwartsman. Além do aprendizado, o leitor poderá usufruir da deliciosa prosa saramaguiana, inspirada, segundo ele mesmo, em ninguém menos que Pe. António Vieira, o Imperador da Língua Portuguesa. Literatura em estado puro!



3 comentários:

  1. Adorei Caim! Também já li O Evangelho. Falta a peça de teatro. Bj

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  2. Texto corajoso mesmo. Dá o que pensar.

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  3. Mesmo crendo, concordo com ambos, o Hélio e o Louco. Primeiro porque, não sendo a crença aceita por todos, o Estado, que é de todos, deve ser laico. Segundo, porque a noção de Deus, na imensa maioria dos crentes, é primitiva, antropomórfica, alienante e desumana. Não serve pois para balizar a sociedade. Deus pode permanecer no íntimo de quem crê. Isso basta.

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