O mestre João Pereira Coutinho emprega título agressivo para sua crônica de ontem (29.mai.2018) na Folha de S.Paulo: A inevitabilidade da burrice – Ao prometer excelência para todos, o que dizer quando essa excelência não vem?
Ele inicia com uma cena do ótimo filme "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore. O professor pergunta ao aluno: "quanto é 5 vezes 5”, e a resposta vem errada. O professor bate a cabeça dele contra o quadro-negro e os colegas riem. Um deles mostra ao ignorante o desenho de uma árvore de Natal (que corresponde ao dia 25). Quando o professor insiste — "quanto é 5 vezes 5" —, o aluno responde: "Natal!".
Afirma Coutinho: “Hoje, essa explicação — a inevitabilidade da burrice, digamos — não existe na gramática pedagógica. Vivemos tempos de "romantismo educacional". A expressão pertence a Charles Murray, a "bête noire" das ideias feitas. Em ensaio para a revista The New Criterion, Murray define o que entende por "romantismo educacional": trata-se da filosofia de que o sucesso de um aluno depende sempre do meio onde ele vive e estuda — e não, Deus nos livre, de quaisquer limites intelectuais inatos (ou genéticos).
Adaptando a definição de Murray a "Cinema Paradiso", o aluno que não é capaz de multiplicar 5 por 5 não é relapso a matemática. Ele será produto de um meio pobre e inculto; ou, então, é discriminado por um professor incompetente e autoritário. Burrinho ele não é.”
“Nos Estados Unidos, explica Murray, várias razões explicam o sucesso do "romantismo educacional". Para alguns pedagogos, as diferenças de inteligência podem ser suplantadas se os professores tiverem iguais expectativas relativamente aos alunos. Para outros, o foco não deve estar nos professores, mas nos alunos: se todos eles tiverem "autoestima" elevada, os resultados positivos serão inevitáveis.”
“Para Murray, o "romantismo educacional", para além de uma falácia pedagógica, é uma tortura evidente para a maioria dos alunos (e dos pais). Quando se promete excelência para todos, o que dizer quando essa excelência não vem?”
Coutinho conclui sua crônica: “Em "Cinema Paradiso", a ignorância era punida com uma violência grotesca. Mas não é preciso usar força física para exercer violência sobre os ignorantes. Há uma violência igualmente nociva quando se usa a mentira piedosa para negar a burrice e a mediania.
Um sistema de ensino realista deve fazer o melhor que pode. Mas também aceita as fraquezas da inteligência como parte da diversidade humana.”
Desejo complementar as ideias do articulista com marcante experiência pessoal vivida aos 11 anos de idade, quando cursava o primeiro ano do ginásio (era assim que se chamava). Naquela época, como ainda hoje, eu tinha dificuldade com a grafia de s ou z, de ss ou ç, por aí afora. Em uma prova de História, cometi a asneira de escrever Brazil, com z. O professor não bateu minha cabeça na parede mas espalhou a notícia por toda a escola, que não era pequena, o renomado Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves, em Guaratinguetá, SP. A humilhação beirou o insuportável. Não me lembro como superei o problema, sei apenas que mantive a dificuldade com as referidas grafias por longos anos.
Tratava-se, ao que parece, de um tipo de ignorância pontual, por alguma dificuldade que nunca pude esclarecer; paradoxalmente, talvez fosse o simples medo de errar. Não se tratava da “burrice inevitável” de que fala Coutinho, penso eu, tendo em vista os degraus que arduamente galguei ao longo da vida, até chegar a escrever num blog para dois ou três leitores amigos.
A burrice congênita existe mesmo, não se trata de raridade, porém seu diagnóstico precisa ser feito com cuidado.
Coutinho é bem objetivo em sua avaliação: “qualquer um é capaz de apreciar a inteligência de um jogador de futebol, por exemplo. Mas isso não invalida o óbvio: ler, escrever e contar ainda são as proficiências basilares de qualquer educação formal. Iludir o fato não altera a realidade.”
Coutinho sempre inteligente!
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2018/05/a-inevitabilidade-da-burrice.shtml
A questão da inteligência fica cada vez mais subjetiva. Verdadeiro convite à tolerância e ao apreço à diversidade. Há por aí muita gente "inteligente" e nociva ao bem comum. Mais urgente seria talvez a noção de solidariedade.
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