Com o título em português
de Manchester à beira-mar, o filme de
Kenneth Lonergan está entre os melhores dramas recentemente produzidos.
O protagonista, tio Lee (Casey Affleck), é um faz-tudo
sobrevivendo em Boston, um morto-vivo desrespeitado pelos moradores que o
chamam para reparos de encanador, eletricista, pedreiro, enfim,
pau-pra-toda-obra sem qualquer valor. Os desaforos que ele ouve, ora reage, ora
não, numa apatia impressionante. (Um certo morador, depois de discutir sobre o
melhor tipo de reparo a ser executado, pergunta-lhe Por quê você não pode dar
uma resposta profissional? Ele simplesmente não pode, em sua permanente anedonia.)
O clima sombrio, parado, com cenas praticamente estáticas,
prenuncia uma tragédia, que não devo revelar aqui.
Enfim, o filme trata de um trauma nunca superado. O mais
interessante é que em momento algum alguém aconselha tio Lee que ele deve superar o trauma, que precisa superar o trauma.
“Trauma é trauma”, ouvi certa feita de meu analista, e
naquele momento a frase simples, curta, óbvia, me fez muito sentido. O filme é
tristíssimo exatamente por isso: trata-se do relato de um trauma insuperável,
ao menos para tio Lee, e talvez para a maioria dos humanos.
Diante de um grave trauma, supera-se ou não se supera. No
filme de Lonergan, não há obrigação de superá-lo, depende da capacidade de cada
um, da escolha de cada um. Os de fora têm dificuldade para compreender isso, e
por isso repetem Você tem que
superar, Você tem que se cuidar,
Você tem que aceitar.
Em determinado momento do filme, tio Lee é instado a
assumir a responsabilidade de tutor do sobrinho, e ele simplesmente responde
que não pode! Acima de tudo, ele
reconhece as próprias limitações, o que não é fácil para a maioria das pessoas.
A ele, talvez possamos dar o título de anti-herói.
O outro tema presente no filme – e de resto presente em
inúmeros dramas do cinema – é o sentimento de culpa. Este é em grande parte
responsável pela não superação do trauma, como ocorre exatamente na vida real.
O desempenho de Casey Affleck no papel principal é mesmo
monumental. A trilha sonora é de primeira qualidade, bem como a fotografia. Um
grande filme.
Vamos conferir. Almas feridas são um tema recorrente no cinema, do que se conclui que se trata de problema eterno e universal. Somos tomos anti-heróis, em grau mais ou menos trágico. Fica a pergunta: por que haveremos de ter traumas insuperáveis, para sempre?
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