Há quem afirme, certamente os mais supersticiosos, que um
primeiro livro muito bom, magistral mesmo, pode transformar-se em uma terrível
sina na vida do autor. Será este o caso de Valter Hugo Mãe?
Estou a falar, como dizem os portugueses, de o remorso de baltazar serapião, assim
mesmo, com minúsculas, vencedor do Prêmio José Saramago de 2007. Não estou
certo se foi este o primeiro romance (penso que foi o segundo) do escritor
português nascido em Angola, mas é verdade que foi o de maior sucesso, que o
projetou internacionalmente.
O livro foi um escândalo no mundo literário lusófono, ao
quebrar regras de gramática e reinventar a língua de forma espetacular.
Violento em seu conteúdo, ao descrever uma Idade Média indefinida no tempo, a
forma no entanto chegava a beirar a poesia. Um livro inigualável!
Ups!, aí reside o perigo, neste “inigualável”. Como
tornar a escrever depois de uma obra prima logo na (quase) estreia?
Ao terminar a leitura de o remorso, lembro-me bem do meu entusiasmo; presenteei amigos com
exemplares do livro, recomendei-o o quanto pude, estava encantado. De lá para
cá, penso que Mãe jamais conseguiu repetir a façanha.
Até que chegamos ao último romance, quase uma década
depois, razão desta crônica: Homens
imprudentemente poéticos (Biblioteca azul, 2016).
Comecemos pela capa da edição brasileira, que parece não
ter sido do agrado do autor. Porque é mesmo horrenda! Rosa, com letras em
vermelho, e o destaque descomunal para o nome do autor, a ocupar metade da
capa. O título do livro, abaixo, sublinhado (?), incluindo um advérbio (?), parece
insignificante. A ilustração em azul não ajuda, para dizer o mínimo.
Bem, se o miolo agradar, o capista estará perdoado. Nesse
ponto devo salientar uma questão de ordem pessoal: é provável que minha opinião
esteja equivocada, que eu não tenha competência e sensibilidade para apreciar a
obra, que a não tenha compreendido, e portanto de nada vale esta minha opinião.
E o leitor há de desculpar-me pelo atrevimento.
Fato é que não gostei do livro. Laurentino Gomes, o
prefaciador, fala em linguagem poética: “Sua obra é repleta de poesia e
desassombro linguístico”. Desassombro e poesia cabem perfeitamente para
descrever o remorso, porém penso que
não servem para o livro de que estamos falando.
Alguns neologismos são insípidos, às vezes sem sentido
algum (“monge maturado”, por exemplo). Em vez de poesia há uma espécie de
pedantismo linguístico, necessidade mesmo de originalidade.
Destaco pequeno trecho:
“A negra pessoa coberta oscilava num vento mínimo
que parecia soprar de todos os sentidos, como se fosse o ponto concêntrico do
movimento do ar. O sombrio dos seus modos subjugava Itaro [um dos
protagonistas], que cedia dos joelhos, quase descendo ao chão para uma vénia
demasiado vulnerável e veneradora. O artesão ouviu então a voz radial do monge
maturado, esse som de toda a parte que se instalava fremindo por instantes,
igual a ter cauda, demorar a escapulir-se pelo silêncio. O sábio, na sua
inexpressiva máscara, lhe disse: cuidado com as pessoas ubíquas.”
Julgue
o leitor. Certamente haverá quem goste. Mas vamos esperar pelo próximo romance
de Valter Hugo Mãe.
Parece necessário um iluminado decifrador que nos explique o que quis dizer o roqueiro simpático.
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