quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A quem pertencem as cinzas de um homem morto?

  
          O artigo assinado por Pablo Ordaz, para El País de hoje, traz a manchete: Igreja Católica proíbe fiéis de jogar as cinzas dos mortos ou guardá-las em casa. E o subtítulo: Descumprimento da medida pode impedir funeral do falecido.
            A Igreja Católica recomenda que os mortos sejam enterrados. Quando por vontade expressa do morto optar-se pela cremação, fica proibida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água, ou conservá-las em casa pelos familiares. (A proibição entrou ontem em vigor! Recentíssima, portanto, tal decisão.)
Informa a Igreja que a proibição destina-se a evitar qualquer “mal-entendido panteísta, naturalista ou niilista”. “Os mortos não são de propriedade da família, são filhos de Deus, fazem parte de Deus e esperam em um campo santo sua ressurreição”.
Caso ocorra a dispersão das cinzas na natureza, por razões contrárias à fé cristã, o funeral oficiado pela Igreja será negado.
Segundo a Congregação para a Doutrina da Fé, as cinzas devem ser mantidas “como regra geral, em um lugar sagrado, ou seja, no cemitério, ou, se for o caso, em uma igreja ou em uma área especialmente dedicada para tal fim por autoridade eclesiástica competente”.
Afirma o cardeal alemão Gerhard Mueller: “Os mortos não são de propriedade da família, são filhos de Deus, fazem parte de Deus e esperam em um campo santo sua ressurreição”.
Estou perplexo diante desta nova orientação da Igreja Católica. Além de manter os fieis subjugados à fé principalmente pelo ato da confissão (você está perdoado, pode voltar a pecar, desde que aqui compareça para nova confissão, novo perdão e novos pecados), agora pretende também tornar-se proprietária dos mortos, os enterrados e os cremados.
Afinal, a quem pertencem as cinzas de um homem morto?
No livro do Gênesis (3,19), depois que Adão e Eva comeram o fruto da árvore proibida, Deus diz a Adão: “Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás.”
Mesmo na condição de ateu, como reza o Velho Testamento, penso que as cinzas de um homem morto pertencem à Natureza. Algum familiar, em vida próximo do morto, dará o destino que lhe aprouver (o finado jamais terá qualquer controle sobre isso), de preferência obedecendo às possíveis orientações do falecido.
Há uma belíssima mata junto ao jardim de minha casa, com árvores altas e frondosas, com ipês que florescem a cada ano. Meu desejo é que minhas cinzas sejam espalhadas neste chão, e quando os ipês florirem, lá estarei eu, entre as flores, beijando o céu. Haverá lugar mais sagrado?





4 comentários:

  1. Completo disparate essa decisão da Igreja, a meu ver. Aliás , parece que a Igreja tem uma atávica inclinação a cercear a liberdade dos seus adeptos. Parece que a liberdade ameaça!

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  2. Inspirado, como sempre, meu caro André! Abraço fraterno!

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    1. Que honra você por aqui, querido Roque! Grande e saudoso abraço.

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