Depois de ver duas crônicas elogiosíssimas publicadas nos cadernos ditos
de Cultura de dois importantes jornais resolvi acrescentar algum comentário
sobre o livro do italiano Nuccio Ordine (Zahar, 2016, tradução de Luiz Carlos
Bombassaro).
O título é sem dúvida provocador e quase fala por si
próprio: A utilidade do inútil – um
manifesto.
O livro é dividido em três partes, precedidas por uma introdução, além de conter um Apêndice. Tem início com uma longa, erudita e
cansativa Introdução repleta de citações, para justificar “o oximoro evocado
pelo título”, segundo o próprio Ordine.
Na primeira parte, intitulada A útil inutilidade da Literatura, o autor enumera as aparições do
tema em textos de escritores, pensadores, filósofos famosos: Vicenzo Padula,
Foster Wallace, Gabriel Garcia Marquez, Dante, Petrarca, Thomas More, Jim
Hawkins, Shakespeare (este não podia faltar), Aristóteles, Platão, Kant,
Ovídio, Montaigne, Giacomo Leopardi, Théophile Gautier, Baudelaire, John Locke,
Boccaccio, Lorca, Cervantes, Dickens, Heidegger, Zhuangzi (século IV a.C.),
Kakuzo Okakura, Ionesco, Calvino, Cioran, nesta ordem. Acho pouco provável que
os críticos tenham atravessado esta floresta de citações, entediante ao
extremo, todos batendo na mesma tecla, repetindo repetindo repetindo o que diz com
propriedade Ítalo Calvino:
“Muitas
vezes o compromisso que os homens assumem com atividades que parecem
absolutamente gratuitas, sem outro fim que a diversão ou a satisfação de
resolver um problema difícil, revela-se essencial num âmbito que ninguém havia
imaginado, e tem consequências imprevisíveis. Isso é verdadeiro tanto para a
poesia e a arte quanto para a ciência e a tecnologia.”
O Louco assina em baixo.
A própria existência deste blog que muito pouca gente lê é um belo exemplo
de inutilidade, cuja utilidade serve apenas para entreter e preservar o que
resta de sanidade mental do blogueiro.
Sugiro portanto que um possível leitor passe direto para a segunda parte do livro: A universidade-empresa e os
estudantes-clientes. Vejamos um trecho interessante, onde só agora o autor
mostra mais claramente suas próprias ideias:
“Ao longo
da última década, na maioria dos países europeus, com raras exceções como a
Alemanha, as reformas e os contínuos cortes de recursos financeiros têm
desfigurado – especialmente na Itália – a escola e a universidade. De modo
progressivo e muito preocupante, o Estado começou a se desonerar de encargos
econômicos na área da educação e da pesquisa básica. Esse processo tem
determinado, paralelamente, também a “escolarização” das universidades.
Trata-se de uma revolução copernicana que nos próximos anos mudará radicalmente
o papel dos professores e a qualidade do ensino.”
Não há novidade no que escreve
Ordine, mas é importante que isso seja dito e repetido, uma tentativa (vã?) de mudar
o rumo da Educação. E o autor esclarece o que chama de estudante-cliente:
“Pagando
muito caro sua matrícula em Harvard, o estudante não espera somente que seu
professor seja bem formado, competente e idôneo: espera que ele seja submisso,
pois o cliente é um rei.”
Neste ponto é preciso elogiar o
livro de Ordine. Penso que este fenômeno já chegou às nossas universidades,
incluindo as públicas, tornando cada vez mais difícil, espinhosa, sofrida, a
relação aluno-professor (especialmente para o professor).
E prossegue o autor: “Em suma, as
instituições de ensino foram transformadas em empresas. ... Também os
professores transformaram-se cada vez mais em simples burocratas a serviço da
gestão comercial das empresas universitárias.”
Isso vale para muitos de nossos
hospitais universitários, transformados em empresas absolutamente desinteressadas
no ensino, porém capazes de desonerar os Ministérios da Saúde e da Educação.
Depois de três capítulos interessantes,
inesperadamente Ordine retoma as citações literário-filosóficas: Victor Hugo,
Tocqueville, Aleksandr Herzen, Bataille, John Henry Newman, Locke, Gramsci,
ainda de forma maçante e cansativa. Os temas se sucedem, importantes e óbvios,
repletos de citações: “O encontro com um clássico pode mudar sua vida”, “As
bibliotecas ameaçadas”, “O desaparecimento das livrarias históricas”, “A
utilidade imprevisível das ciências inúteis”, Euclides, Arquimedes, Poincaré,
etc. De repente surge uma frase surpreendente, uma pérola, encontrada numa
biblioteca de manuscritos, num oásis perdido no Saara:
“O
conhecimento é uma riqueza que se pode transmitir sem se empobrecer.”
Na terceira parte, Possuir mata: dignitas hominis, amor,
verdade, Ordine retoma “a voz dos clássicos”: Demócrito, Saint-Exupéry,
Cervantes, etc etc etc, o mais do mesmo.
O apêndice não é do autor; é de
Abrahan Flexner, intitulado A utilidade
do conhecimento inútil. O ensaio é interessante, porém, repito, bate na
mesma tecla, repleto de citações e exemplos de inutilidades que se tornaram
úteis. E não é do autor.
Em resumo, para o Louco o livro de
Ordine toca em temas importantes, mas não estou certo de que mereça tamanha
atenção de críticos e da mídia, particularmente pela falta de originalidade e
escassa manifestação de ideias do próprio autor.
É o caso de se repetir: "Muito barulho por nada..."
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