terça-feira, 1 de março de 2016

Ainda sobre o "Spotlight"



A manchete do editor do The Boston Globe, logo após o resultado do Oscar, é bastante sugestiva:

“Vitória de 'Spotlight' injeta ânimo no jornalismo”.

A reportagem de Guilherme Genestreti e Rodrigo Salem, para a Folha de S. Paulo (29/02/2016), descreve a reação do jornal americano que anuncia: "O Oscar veio para casa", pois o filme é inspirado no trabalho dos repórteres investigativos do jornal.
Os jornalistas que participaram das reportagens sobre pedofilia na Igreja foram efusivos. Matt Carroll, ao comparecer à cerimônia, exclamou: "Estamos literalmente na última fileira... mas estamos aqui e orgulhosos". Marty Baron, ex- editor-executivo do Globe, escreveu longo artigo no Washington Post, destacando as recompensas que uma estatueta traria ao jornalismo como um todo. A produtora Blye Pagon Faust falou com a imprensa, exaltando o "impacto global" que uma notícia bem apurada pode ter. Já o diretor Tom McCarthy foi bem claro: "Fizemos esse filme para todos jornalistas que fazem ou fizeram os poderosos assumirem suas responsabilidades". Walter Robinson, da Redação do Boston Globe, disse que o filme era "uma injeção de ânimo" para quem ainda permanece no jornal.
O Globe abriu bolsa de US$ 100 mil para a formação de jornalistas investigativos.
O artigo da Folha enaltece o mesmo fato: “Um dos pontos mais importantes na vitória de Spotlight é a exaltação do jornalismo investigativo feito com paciência – técnica oposta à rapidez exigida pela internet.”
            O que incomoda o Louco é que o tema principal, a pedofilia na Igreja, foi praticamente ignorado, vencido pelo orgulho (até justo) de editores, jornalistas, produtores de filmes, etc. Até mesmo na própria cerimônia do Oscar o tema recebeu mínima atenção. O grande mérito coube ao jornalismo!
            A força desses meios de comunicação, imprensa, cinema, é incomparavelmente superior ao poder dos humilhados – as crianças submetidas ao abuso sexual e seus familiares. E o poder da Igreja Católica, superior a todos eles.
            O que se espera, de fato, é que a pedofilia seja duramente reprimida dentro da Igreja, e não apenas que o jornalismo investigativo seja estimulado. Nada contra este último: foi graças a ele que os fatos foram revelados em Boston; nada contra o filme Spotlight, que é realmente ótimo e merecedor do prêmio, em minha opinião. Porém, eles não constituem um fim em si mesmos, mas um meio. O combate à pedofilia deveria ocupar o centro das atenções.
            Não vejo reação proporcional do Vaticano diante da gravidade dos fatos revelados em todo o mundo. Não cabe, portanto, à imprensa, contar vantagem antes da hora.


2 comentários:

  1. Pensei a mesma coisa: o assunto, em si, da maior relevância, está posto de lado. É como se, ao olhar uma bela pintura, se exaltasse a moldura.

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  2. Muito boa observação!
    Os atores do filme fizeram um apelo ao Papa Francisco para que olhe mais para a existência da violência sexual. Não foi isso? Aguardamos os desdobramentos com a esperança de que as palavras de alguém hoje tão respeitado dê mais luz sobre o problema.

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