Mais um
ótimo filme brasileiro em cartaz! O título, Mundo cão, poderá espantar os mais
delicados, e de fato trata de sofrimento doméstico cotidiano, vingança, sequestro,
morte, violência, enfim. Mas trata também de sentimentos e relações humanas,
num tom de realismo impressionante, sob a direção de Marcos Jorge, o mesmo
diretor do excelente Estômago.
Como não poderia deixar de ser, o filme
despertou nesse blogueiro particular interesse ao tratar dos sentimentos
ambivalentes do protagonista (Lázaro Ramos, cuja interpretação vale o filme!),
um marginal cruel que adora seus cães, lindos e ferozes dobermanns e
rottweilers, e odeia humanos, sobre os quais solta suas feras para extorquir
dinheiro.
Gosto de dizer e escrever aqui que o
cão humaniza o homem, humaniza a família. No filme parece que isso não ocorre:
é a exceção que confirma a regra. Porém, em vários momentos, podemos notar
traços de humanidade e consideração pelo próximo por parte do vilão,
especialmente quando demonstra alguma identificação pelo menino que, como ele,
também torce pelo Palmeiras. (Para onde foi parar sua capacidade de amar o
outro, isso o filme não esclarece. Trata-se apenas de um marginal.)
O roteiro de Mundo cão é
excepcional, ágil, uma surpresa a cada reviravolta da história, capaz de
prender a atenção do expectador até a (incrível) última cena. A interpretação
de Adriana Esteves também é digna de nota, mulher e mãe casada com um negro
(Babu Santana), o que não é comum em nosso cinema. Ela é evangélica e confecciona calcinhas para vender (há bastante humor em Mundo cão).
A participação de uma menina surdo-muda
(Thainá Duarte) na história é outro elemento que surpreende e é fundamental
para o inesperado desfecho.
Há violência no filme, tanto quanto
na vida real, ou não viveríamos num mundo cão. (A horda de refugiados que cruza
e morre no Mediterrâneo todos os dias que o diga.) Mas há também a luta entre
sentimentos contraditórios que habitam o ser humano, como na vida real.
O futuro expectador preste atenção
na expressão facial de Lázaro Ramos, bem no final do filme, quando seu destino
será selado, e a câmara dá um close em seu rosto: poucas vezes se viu expressão
igual!
Um ótimo filme, repito!