terça-feira, 29 de março de 2016

Amós Oz, contista

                       


             Já escrevi sobre Amós Oz romancista, ao comentar seu brilhante Judas, um livro fascinante.  (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/04/judas-de-amos-oz.html )
           Agora desejo falar do contista!
Amós Oz é um excelente contista, o que se pode conferir em pelo menos dois de seus livros: Cenas da vida na aldeia (2009) e Entre amigos ( 2014), ambos editados pela Companhia das Letras, com a tradução do hebraico de Paulo Geiger.
            Oz retrata a vida de um kibutz através de seus moradores, protagonistas de histórias cheias de sentimento. Trata de temas próprios daquele sistema de vida comunitária, como a distribuição das tarefas diárias, a inutilidade do dinheiro, a educação das crianças, misturando realidade e ficção na dose certa. Trata também dos temas universais que povoam a literatura desde que ela existe: amor, ódio, traição, inveja, orgulho, preconceito, abandono.
            A elegância de sua escrita é a mesma encontrada em Judas, como se pode ler nesse trecho do conto Entre amigos:

“Antes do amanhecer a primeira chuva começou a cair sobre as casas do Kibutz e sobre os campos e pomares. Um cheiro fresco de terra molhada e de folhas que tinham sido lavadas da poeira encheu o ar. A chuva varria os telhados vermelhos e as coberturas de zinco e fazia barulho nas calhas. À primeira luz do dia pairava entre as casas o vapor de uma neblina rala e nas flores dos jardins do kibutz brilhavam gotas d‘água. Um aspersor continuava, sem necessidade, a girar e a lançar jatos de água sobre os gramados. Velocípedes vermelhos molhados atravessavam, enviesados, a largura dos caminhos. De dentro das copas das árvores ornamentais se ouviam os cantos agudos e urgentes dos espantados passarinhos.
A chuva acordou Nahum Ashrov de um sono ruim.”

            Não é preciso sair do kibutz para que Amós Oz construa a sua comédia humana.


Adolar

Charge do dia


Adolar, Painel, Folha de S.Paulo.


Política sem palavras





Ótimo artigo de Eliane Brum sobre o momento política brasileiro.



Foto: João Luiz Guimarães

Barcos suspensos

A foto do dia





Nova instalação na Pinacoteca do Estado, SP, de autoria de José Spaniol. Dois barcos de 430 quilos suspensos por 80 bambus.

Foto: Tiago Queiroz / Estadão


segunda-feira, 28 de março de 2016

Homem-bomba



O que vai no coração de um homem-bomba?
Quem faz a pergunta somos todos nós, porém José Eduardo Agualusa, em A mordida dos zumbis (O Globo, 28/03/2016), vai um pouco além e faz outra pergunta que nos interessa: “Suponho que o homem-bomba não se coloque a si próprio a questão complementar: “O que vai no coração dos inocentes?”
É possível que o homem-bomba (ou a mulher-bomba), ao menos no instante da explosão e nos dias que a antecedem, assuma comportamento esquizofrênico, francamente psicótico, que o leva a ignorar por completo a existência do outro. É possível que se nutra apenas de ódio, capaz de cegá-lo por inteiro, e assim não reconhecer a existência de suas vítimas.
Agualusa o diz de forma elegante: “o homem-bomba não é capaz de empatia.” E acrescenta um outro elemento pouco comentado pela mídia:

“Em meio ao imenso caos que reina na Síria, nas ruínas fumegantes das cidades, florescem laboratórios mais ou menos clandestinos, mais ou menos improvisados, que visam obter uma droga chamada captagon, à base de cafeína e anfetaminas. O captagon começou a ser produzido no início dos anos 1960 para tratar distúrbios de sono e situações de depressão. Transformou-se, entretanto, na droga preferida dos jihadistas e dos homens-bomba. O captagon diminui o medo, provoca uma sensação de euforia, e, principalmente, parece ser capaz de desligar qualquer sentimento de empatia.”

Se este fato é verdadeiro, e é bem possível que seja, estamos diante de uma outra situação, na qual o surto psicótico pode der produzido ou agravado pelas drogas. O que há de facilitar o não-reconhecimento do outro; falar em empatia nesse caso beira o preciosismo.



Cézanne

Meus quadros favoritos



Paul Cézanne: Bridge and Dam, Pontoise.

Mundo cão



             Mais um ótimo filme brasileiro em cartaz! O título, Mundo cão, poderá espantar os mais delicados, e de fato trata de sofrimento doméstico cotidiano, vingança, sequestro, morte, violência, enfim. Mas trata também de sentimentos e relações humanas, num tom de realismo impressionante, sob a direção de Marcos Jorge, o mesmo diretor do excelente Estômago.    
            Como não poderia deixar de ser, o filme despertou nesse blogueiro particular interesse ao tratar dos sentimentos ambivalentes do protagonista (Lázaro Ramos, cuja interpretação vale o filme!), um marginal cruel que adora seus cães, lindos e ferozes dobermanns e rottweilers, e odeia humanos, sobre os quais solta suas feras para extorquir dinheiro.
            Gosto de dizer e escrever aqui que o cão humaniza o homem, humaniza a família. No filme parece que isso não ocorre: é a exceção que confirma a regra. Porém, em vários momentos, podemos notar traços de humanidade e consideração pelo próximo por parte do vilão, especialmente quando demonstra alguma identificação pelo menino que, como ele, também torce pelo Palmeiras. (Para onde foi parar sua capacidade de amar o outro, isso o filme não esclarece. Trata-se apenas de um marginal.)
            O roteiro de Mundo cão é excepcional, ágil, uma surpresa a cada reviravolta da história, capaz de prender a atenção do expectador até a (incrível) última cena. A interpretação de Adriana Esteves também é digna de nota, mulher e mãe casada com um negro (Babu Santana), o que não é comum em nosso cinema. Ela é evangélica e confecciona calcinhas para vender (há bastante humor em Mundo cão).
            A participação de uma menina surdo-muda (Thainá Duarte) na história é outro elemento que surpreende e é fundamental para o inesperado desfecho.
            Há violência no filme, tanto quanto na vida real, ou não viveríamos num mundo cão. (A horda de refugiados que cruza e morre no Mediterrâneo todos os dias que o diga.) Mas há também a luta entre sentimentos contraditórios que habitam o ser humano, como na vida real.
            O futuro expectador preste atenção na expressão facial de Lázaro Ramos, bem no final do filme, quando seu destino será selado, e a câmara dá um close em seu rosto: poucas vezes se viu expressão igual!
            Um ótimo filme, repito!
           

sábado, 26 de março de 2016

O sonho de Amós Oz

“Os dois montavam o mesmo cavalo, o peito dela grudado às costas dele e os braços cingindo sua cintura, e cavalgavam num vale entre altas montanhas onde serpenteava um rio caudaloso.” Atravessaram o rio a nado, apoiando-se na sela do cavalo, os três nadando furiosamente contra a correnteza, até atingirem a margem oposta. Exaustos, deitaram-se, na cama velha da cabana abandonada.



Inspirado num conto do livro Entre amigos, de Amós Oz.

Mente assassina


No final de seus contos ele sempre matava o protagonista. Nunca conseguiu terminar um romance.