Abordar o assunto é tão
espinhoso quanto relevante. Quando ganha as telas do cinema, então, a
repercussão há de se multiplicar, especialmente em se tratando de um ótimo
filme. Estou falando de Spotlight, o
filme dirigido por Tom McCarthy, baseado em fatos reais, o abuso de crianças
por padres católicos.
A investigação jornalística sobre a pedofilia na Igreja
Católica de que trata o filme ocorreu no início dos anos 2000 e rendeu aos
jornalistas do Boston Globe o
prestigioso Prêmio Pulitzer. À época, a repercussão dos fatos revelados foi
gigantesca, atingiu a Igreja em todo o mundo católico, sem poupar o próprio
Vaticano. Como não poderia deixar de ser, a Igreja sobreviveu aos escândalos.
Quanto às crianças abusadas...
Mas vamos ao filme. Ele retrata o difícil processo de
investigação jornalística, a resistência por parte da Igreja e dos advogados
que durante anos defendiam as vítimas e seus familiares, todos interessados em
manter os fatos sob sigilo, da própria sociedade católica da cidade de Boston,
temerosa em desafiar instituição tão poderosa. Os próprios jornalistas
encarregados da investigação, pequeno grupo de quatro profissionais que
formavam o “spotlight”,
surpreenderam-se ao constatar que eles mesmos haviam recebido a denúncia há muitos
anos , sem que prestassem a devida atenção à mesma.
Penso que o grande mérito do filme reside em apresentar a
história da investigação e sua bombástica conclusão de forma quase asséptica,
sem arroubos sensacionalistas – nada de cenas explícitas –, sem apelos à emoção
fácil, que aqui poderia ser traduzida por indignação, sentimento plenamente
justificável em se tratando de crianças traumatizadas, muitas delas para o
resto de suas vidas. Mesmo assim, a simples cena de um coro infantil cantando
uma canção de Natal no ambiente majestoso de uma catedral á capaz de mobilizar
no expectador algum sentimento da ordem do ódio.
Ignoro se foi esta a intenção do diretor, mas penso que
ele dispensou os adjetivos para enaltecer o substantivo, suficientemente forte,
capaz de, por si só, prender a atenção da audiência. (Mas não abriu mão de um
elenco de altíssima qualidade, que, sem dúvida, coloca o filme entre os
melhores do ano.)
O problema está longe de ser resolvido dentro da Igreja.
Esperemos que filmes como Spotlight
possam manter o assunto em evidência, em vez de fingirmos todos que ele não
existe.
Aí está o valor do cinema: denúncia com arte, a contribuir para amenizar a selvageria no mundo.
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