Mesmo entre
os pouquíssimos leitores do Loucoporcachorros haverá discordância quanto à
conveniência da publicação da última charge do jornal francês Charlie Hebdo
envolvendo o menino Aylan, encontrado morto numa praia da Turquia, e os abusos
sexuais contra as mulheres alemãs na noite de Ano Novo.
Haverá
discordância também quanto à reprodução da charge neste blog, e mais ainda quanto
à opinião do blogueiro, favorável ao jornal francês.
Penso que,
em tudo na vida é preciso levar em conta as circunstâncias. As cenas do menino
morto Aylan Kurdi chocaram o mundo e emprestaram nova dimensão ao problema dos
refugiados, para muitos o fato de maior relevância em 2015. Nada pode diminuir
ou apagar a importância daqueles registros.
Por outro
lado, a Alemanha, país que tem se esforçado para acolher estes mesmos
refugiados, exemplo para o resto da Europa, foi vítima de barbarismo ultrajante
na noite de Ano Novo, quando pelo menos 100 mulheres foram vítimas de
agressões, abusos sexuais e roubos na cidade de Colonia. Um número incerto de
refugiados estava presente entre os agressores.
São duas
tragédias, ambas com suas respectivas consequências. O Charlie Hebdo não perdeu
a chance de juntar os dois fatos numa única charge de enorme repercussão
mundial, ao estilo peculiar do jornal.
Para alguns,
puro mau gosto; desrespeito ao menino Aylan e sua família; incitação ao
preconceito; racismo.
Para outros,
o permanente exercício da liberdade; a denúncia nua e crua da violência contra
as mulheres alemãs; a denúncia contra alguns refugiados; a denúncia de uma
forma de racismo, a depender de como a charge é interpretada.
O cotidiano
em todo o mundo está repleto de humor negro. (Aquele carro dependurado,
absolutamente instável, improvável, inacreditável, no telhado de uma casa
invadida pela lama em Mariana não deixa de ser uma forma de humor negro.) O
humor também pode ser negro e de mau gosto, o que pode emprestar tremenda força
à denúncia.
Pois esta é
a linha editorial do Charlie Hebdo, gostemos ou não dela. Há portanto coerência
quando os chargistas estampam as figuras de Maomé, de Deus ou do menino Aylan
junto a abusadores, a forma do jornal criticar, de maneira dura e até de mau
gosto, a verdadeira violência praticada nesse início de século XXI, muitas
vezes em nome de uma religião.
Que coisa mais complicada! A atitude do jornal é cheia de possibilidades de interpretação. É mesmo uma ideia aberta. Pode ser encarada por múltiplos aspectos. Vale dizer, faz pensar, muito além de se concordar ou não. Sob este ponto de vista, viva o Charlie!
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