Difícil encontrar algum
livro de Samuel Rawet (pronuncia-se “rávét”),
a não ser em sebos, pois ele publicava através de editoras pequenas, de
distribuição precária, esparsamente. Até que a Ed. Civilização Brasileira
reuniu sua obra em um único e alentado volume (bastante mal acabado, desses que
soltam as folhas à medida que o livro vai sendo manuseado), Contos e novelas reunidos (2004), mas o
homem permanece um ilustre desconhecido para o leitor comum.
Sua leitura não é fácil,
seus personagens são angustiados, inadaptados, têm dificuldade para se
comunicar, são imigrantes deslocados, exilados como ele mesmo o foi. Porém, sua
escrita é única, originalíssima, de uma profundidade e dramaticidade incomparáveis.
Samuel Urys Rawet nasceu
em Klimontow, aldeia próxima de Varsóvia, em 1929. De família judaica, em 1936
naturalizou-se brasileiro, criado no subúrbio carioca da Leopoldina.
Engenheiro de profissão,
membro da equipe de Oscar Niemeyer, participou da construção de Brasília, sendo
o responsável pelos cálculos da construção de vários edifícios importantes,
como o Congresso Nacional. Fixou residência em Brasília, onde morreu em 1984.
O volume recém publicado
inclui os livros Contos do imigrante
(1956), Diálogo (1963), Os sete sonhos (1967), O terreno de uma polegada quadrada
(1969), Que os mortos enterrem seus
mortos (1981), e as novelas Alabama
(1964) e Viagens de Ahasverus à terra
alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de um futuro que
já passou porque sonhado (1970).
Destaco o parágrafo
inicial do conto O profeta, pequena
amostra do estilo rawetiano:
“Todas as ilusões perdidas, só lhe restara mesmo aquele gesto. Suspenso
já o passadiço, e tendo soado o último apito, o vapor levantaria a âncora.
Olhou de novo os guindastes meneando fardos, os montes de minérios. Lá em baixo
correrias e línguas estranhas. Pescoços estirados em gritos para os que o
rodeavam no parapeito do convés. Lenços. De longe o buzinar de automóveis a
denunciar a vida que continuava na cidade que estava agora abandonando. Pouco
lhe importavam os olhares zombeteiros de alguns. Em outra ocasião sentir-se-ia
magoado. Compreendera que a barba branca e o capotão além do joelho compunham
uma figura estranha para eles. Acostumara-se. Agora mesmo ririam da magra
figura toda negra, exceto o rosto, a barba e as mãos mais brancas ainda.
Ninguém ousava, entretanto, o desafio com os olhos que impunham respeito e
confiavam um certo ar majestoso ao conjunto.”
Vale a pena conhecer
Samuel Rawet!
Uma prosa fluente!
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