Francisco Daudt publicou hoje (14/10)
excelente artigo na Folha, intitulado Começo de conversa (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/236372-comeco-de-conversa.shtml),
com início provocador:
“Você
mataria sua mãe a facadas? Não? Nem eu! Então já temos alguma coisa em comum, é
um começo de conversa." Essa era a anedota que meu tio Marcello contava
para dizer que, quando a divergência com alguém era grande, fazia-se necessário
buscar fundações comuns para a construção do edifício do entendimento.”
Daudt
prossegue:
“Arno
Viero, doutor em filosofia da lógica (a coisa mais complicada que já vi), me
dizia: "Se você não partilha axiomas, não converse". Axiomas são verdades
auto-evidentes, que não precisam de demonstração. "Se você esgrima
floretes, não vá duelar com um moleque, pois ele vai te tacar uma pedra na
cara."
Mas
qual é a aplicação prática do conselho do Arno? É evitar um atrito que produza
mais calor do que luz. Claro, isso se você estiver interessado na luz; há gente
que se interessa mais pelo embate em si, por derrotar o outro na discussão, por
se mostrar por cima, por humilhar sadicamente, por fazer o outro se sentir um
merda.”
De certo
modo, Daudt radicaliza o que passo a chamar de A arte de conversar, ao recusar
o diálogo com determinado tipo de interlocutor:
"Se
eu soltar esse lápis, ele vai para o chão ou para o teto?" De acordo com a
resposta, eu fico ou vou-me embora sem conversar...
E as
pessoas de fé? Elas se regem pelo "Credo
cuia absurdum" (Creio PORQUE é absurdo), não há nada de racional no
que creem. Bem, então vejamos: "Há um homem que ressuscitou depois de três
dias morto". Não converso, mas respeito. "O corpo de Cristo está
presente na hóstia." Não converso, mesmo respeitando sua crença.
No
entanto, crenças religiosas podem ser fonte de grave intolerância, mormente
quando o religioso não tem muita segurança em sua fé e precisa combater
externamente sua dúvida, como um homofóbico precisa eliminar sua perturbação
sexual interna matando um gay. Se um desses grita "Morte aos cães
infiéis!", sinceramente: não converso, não respeito e vou lutar contra.
O mesmo
se aplica aos fanáticos da religião lulopetista.”
O
tema interessa muitíssimo a este blogueiro, que publicou em O mito do
vaso partido e outros escritos (ExLibris, 2010), artigo intitulado A arte
de conversar. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/10/conversar-uma-arte.html)
Em
um determinado aspecto, difícil de ser praticado, é bom que se diga, discordo
de Daudt.
É
verdade que aquele que está disposto ao exercício da conversação tem a
expectativa de receber de seu interlocutor ideias de valor, de espírito,
concatenadas e vigorosas. Não espera conversar com um tolo. Em Montaigne
encontramos valioso alerta:
“A
tolice é uma qualidade má; porém não poder suportá-la, e irritar-se e roer-se
por causa dela, como me acontece, é uma outra espécie de doença que pouco fica
devendo à tolice em importunidade.”
O desenvolvimento da tolerância (não no
sentido moral ou religioso da palavra, porém no autêntico reconhecimento das
diferenças), portanto, nos parece outro elemento fundamental para o diálogo.
Esta mesma tolerância tem a ver com o
não-desejo do convencimento. Se há “necessidade” (interior, inconsciente) do
convencimento do outro, a conversa torna-se impossível.
Concluo
A arte de conversar apresentando uma condição
ímpar, facilitadora da boa conversa:
Conversar com um amigo é outra coisa. A
amizade constitui-se então em uma condição facilitadora do diálogo,
especialmente pela existência de intimidade e confiança recíprocas. Desaparecem
o temor, a preocupação com o interesse, a tendência ao julgamento: desarmam-se
os espíritos. Concordar ou divergir tornam-se nada mais que qualidades
intrínsecas do diálogo, nunca uma ameaça, mesmo que isso represente um
“sacrifício” narcísico. Uma conversa entre dois amigos tem o poder de
transformá-los a ambos.
Assim dá gosto conversar!
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