Ao meu querido amigo Leopoldo,
um homem alto.
Desde muito cedo
Alfredinho tinha a certeza de que, quando se tornasse adulto, seria um homem
baixo. Pior que isso, seria baixinho, pois é assim que são nomeados aqueles ou
aquelas de baixa estatura. O inevitável diminutivo, verdadeiro pleonasmo,
reforça a condição.
Até os 17 anos de idade
Alfredinho sofreu com isso. Desde a escola primária, era o primeiro da fila.
Isso pouco o incomodava, perto dos apelidos que ganhava: Tampa, Tampinha, Toquinho,
Dunga, Zangado (quando ele se zangava), Pequeno Polegar, Projeto, Mindinho, Miúdo,
a lista não tinha fim. Mas o apelido que pegou mesmo foi o de Tambô, uma
redução de Tamborete, e este era o que Alfredinho mais detestava. Por isso
mesmo pegou, que nem grude.
Quando começou a se
entender por gente, o menino percebeu que o pai era baixinho, que a mãe era
baixinha, que os dois irmãos mais velhos eram baixinhos, e que portanto não
havia escapatória, ele seria baixinho. Sofreu com isso, é verdade,
principalmente pelas gozações na escola. Já um pouco mais crescido, se é que
podemos colocar assim, Alfredinho sofreu por causa das meninas, quase todas
mais altas do que ele. Vai ser difícil arranjar uma namorada, pensava.
O que faltava ao menino em
tamanho, sobrava em inteligência e determinação. Além do que não era feio, ao
contrário, era bonito de rosto, as feições bem proporcionadas, moreno claro,
cabelo preto e liso, dono de um sorriso franco e cativante. E bem falante, esta
a sua principal virtude! Bom aluno, estudioso, gostava de português; leitor
persistente, esmerava-se no modo de falar, desde cedo por influência dos pais,
ambos professores. Gostava também de cinema, e às vezes era pego falando
sozinho; maluco que nada, estava apenas imitando a fala dos galãs.
Por volta dos 17 anos o
problema das namoradas tornou-se o dilema fundamental na vida de Alfredinho,
questão de vida ou morte. Precisava arranjar uma namorada, e não podia ser
feia. Foi quando ele resolveu estudar a fundo a “psicologia feminina” –
expressão que não cansava de repetir para si mesmo. Preciso descobrir do que
elas gostam, matutava ele.
Nessa época frequentava os
bailes da escola, mas quase sempre ficava no grupo dos meninos, de olho nas
meninas, tímido na hora de escolher seu par. Foi exatamente isso que lhe
proporcionou a ideia salvadora, que iria mudar para sempre o rumo de sua vida.
Resolveu tornar-se um grande dançarino.
Desde logo compreendeu que
não seria nos tais bailes da escola que ganharia prática. Em segredo, resolveu
experimentar a zona, dessas em que as moças ganham primeiro com a dança, depois
com o principal. Ao entrar ia logo dizendo, Olha querida, eu pago o serviço
completo, mas só quero dançar, você topa? Elas topavam, e dançavam a noite
inteira.
Em pouco tempo Alfredinho
tornou-se exímio bailarino. Com seu jeito de menino bem educado, atencioso,
conhecedor da “psicologia feminina”, tornou-se o queridinho das putas. Ninguém
o tratava por Tambô; era Dinho pra cá, Dinho pra lá, o maior chamego, par
disputadíssimo – sem qualquer intenção trocadilhesca – nos salões do alto e baixo
meretrício.
Quando se viu dançando quase
como um profissional – ele levava jeito para a coisa –, Alfredinho voltou aos
bailes da escola. O sucesso foi estrondoso! A primeira menina que tirou para
dançar era baixinha e feia, e ele nem se importou com isso, queria apenas se
exibir. O baile parou para presenciar o acontecimento. Terminada aquela
primeira dança, as meninas, de todos os portes e estaturas, fizeram fila para
dançar com ele, para assombrada inveja dos colegas.
No dia seguinte, por toda
a escola, só se falava no milagre: Alfredinho pé-de-valsa. Daí para arrumar uma
namorada foi questão de dias, linda e, naturalmente, mais alta do que ele, o
que multiplicou a inveja dos meninos.
Perguntado sobre o
mecanismo daquela transformação, Alfredinho apenas respondia, É a psicologia
feminina...