quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

haicai de verão




o sol entre nuvens
pedaços de céu azul
brisa de verão

Sonho de José Paulo Paes

            Em 2/3 deste ano o Louco publicou o poema À minha perna esquerda, de um de meus poetas prediletos, exímio tradutor, crítico literário e ensaísta, José Paulo Paes (1926-1998). Encontra-se à disposição do leitor:

Agora, destaco no meio do poema Um sonho à moda de Kafka, sonhado pelo poeta em plena construção do poema, um tipo de postagem ao qual o Louco vem se dedicando.
Vejamos:

“Dizem que ontem à noite um inexplicável morcego
assustou os pacientes da enfermaria geral.

Dizem que hoje de manhã todos os vidros do ambulatório
apareceram inexplicavelmente sem tampa,
os rolos de gaze todos sujos de vermelho.”

José Paulo Paes

           O Louco torna-se um caçador de sonhos.




quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

De madrugada...

          De madrugada, um passo-preto entra pela janela de meu quarto, pousa na guarda da cama e me diz: prepare-se para o dia de amanhã, pois haverá grande surpresa: talvez você aprenda a voar comigo, e sai pela janela emitindo agudíssimo piado de mau agouro.



Leia, quem ainda não leu: 

http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/12/sonhos-moda-de-franz-kafka.html

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Desconfortavelmente deitado...


             Sonho que estou desconfortavelmente deitado numa cama estreita de hospital, cercado de pacientes graves. A cama, sobre rodinhas, dispara pelos corredores vazios, sai pela porta principal, e é atropelada por uma caminhão em alta velocidade. Acordo banhado em suor.

Vide: http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/12/sonhos-moda-de-franz-kafka.html

Olho pela janela...


Olho pela janela e vejo um dia luminoso de sol, a neve caindo em grossos flocos, oblíquos, açoitados pelo vento solar. Abro a porta para contemplar o espetáculo e vejo a noite enluarada, a clara lua cheia, a guardar eternamente seus mistérios.

Sonhos à moda de Franz Kafka


Bronze de Jaroslav Róna, em Praga.

Sonhos, de Franz Kafka, é um livrinho precioso. Editado no Brasil pela Iluminuras nos idos de 2003, com tradução de Ricardo F. Henrique e prefácio de Luis Gusmán, parece não haver um correspondente original do autor tcheco, publicado em vida ou mesmo após sua morte (1883-1924). A editora informa que a seleção efetuada por Gusmán partiu das obras Träume (Fischer Taschenbuch Verlag, 1993) e Obra completa (S. Fischer Verlag, 1992). Importa que ganhamos um presente.
Afirma Márcio Seligmann-Silva, já na orelha do livro:

“O arado que corta, neste autor, tanto sua vida de escritor como seu sono, confunde uma fronteira com a outra. Se para ele ‘nem o sono nem o despertar’ são ‘verdadeiros’, é porque ao invés de ‘dormir’ ele está constantemente povoado por sonhos: ‘só sono nada de sonhos’, ele anota em seus diários (melhor dizendo: noitários!). O ‘material resistente’ dos sonhos, sua supernitidez (e realidade), não o impede de “dormir”, mas também rompia os limites entre a noite e o dia, o corpóreo e o simbólico.”

Acho melhor chamá-lo de Literatura em estado bruto, onde sonho e vigília confundem-se o tempo todo, como assinala Kafka em uma de suas frases típicas:

“Até adormeço, mas ao mesmo tempo sonhos fortes me mantêm acordado”.

O livro é composto por relatos dos Diários, cartas a Max, Otto Brod, Felice Brauer, a seu chefe de repartição, diários de viagem, fragmentos de cadernos e folhas soltas, com ou sem data.
Freud já havia chamado a atenção, no magistral Interpretação dos Sonhos (1900), para a impossibilidade de uma reprodução ou registro exatos do sonho, que acaba sendo “modificado” por interferência do plano consciente. Kafka, que se manteve afastado da Psicanálise durante toda a vida, não se importava com isso, e precisava contar seus sonhos e não-sonhos, no seu incessante exercício de literatura, a única coisa de real valor para ele.
Gusmán destaca quatro gêneros de relatos no mundo onírico de Kafka. Primeiro, o da insônia, “na estreitíssima faixa do despertar e que está ligado ao ato de escrever”. Depois, a sonolência que resulta da insônia. Segue-se o devaneio, “pequenos relatos alucinados onde, no entressonho, a imagem é vista e sentida no corpo”. E termina pela necessidade de relatar o sonho, além de sonhá-lo, o que chamei de incansável exercício de literatura.
Em dezembro de 1911, nos Diários, Kafka anota outra frase característica:

“Escrever uma autobiografia me daria grande prazer, pois seria tão fácil quanto anotar sonhos”.

Portanto, para ele, sonho é vida, significa viver, desperto ou ao dormir.  
Às vezes o sonho parece-se com um conto, como este registrado em maio de 1913:

“A imagem contínua de uma fatiadora muito larga que me vai cortando em alta velocidade e com regularidade mecânica em fatias muito fininhas que saem voando quase enroladas por causa da rapidez do trabalho.” (Trata-se de um esboço para A Colônia Penal?)

O último “sonho” selecionado por Gusmán sintetiza a filosofia do livro, tem caráter poético, é uma pérola rara e foi retirado de fragmentos de cadernos e folhas soltas, sem data:

“Envolve a criança nas dobras do teu manto, sonho sublime.”

Eis Franz Kafka em toda sua genialidade e plenitude!

***

            O Louco, longe de ser pretencioso, inspirado nos Sonhos, de Kafka, a partir de agora inaugura a postagem Sonhos à moda de Kafka, relatos minimalistas sonhados e não sonhados, simples exercícios de escrever. Vejamos o resultado.