Patrícia Campos Mello e Avener Prado, enviados especiais da Folha de S.
Paulo, acompanharam o trabalho da infectologista italiana Livia
Tampellini, 38, no maior centro de tratamento de ebola do mundo, hospital com
80 leitos, construído no meio da selva em Kailahun,
leste de Serra Leoa.(1)
A
médica relata que costuma ter dois pesadelos recorrentes. Em um deles, ela está
em um vilarejo, e uma pessoa com ebola vem correndo e vomita em seus pés. Em
outro, ela sonha que uma de suas luvas se rasga, demora a perceber e se
contamina com o vírus.
Ambos
os sonhos dão a exata dimensão do terror que é trabalhar em tais condições. Livia
entra todos os dias na área de alto risco do hospital para cuidar de doentes de
ebola, altamente contagiosos.
Para
que não haja transmissão da doença, Livia não pode tocar em ninguém durante
meses, o que é muito difícil de suportar. Diz ela: “Depois de dias assistindo a
pessoas morrerem, às vezes precisamos muito de um contato humano. Por isso, às
vezes nos abraçamos dentro da área de alto risco, todos vestidos com a roupa de
proteção, só para sentir um contato físico.”
Imagino que este gesto possa
significar o retorno à mais tenra infância, quando o bebê necessita, além do
alimento que desce pela boca – o leite materno – e que vai nutrir o corpo, o
contato físico com a mãe, que alimenta o espírito. Estes representam os dois
elementos fundamentais na formação do ser humano.
Mesmo
depois de adultos, em determinadas situações de grande ameaça a nossa integridade
física e mental, precisamos de colo, o que não nos desmerece como seres
humanos. Apenas não nos esqueçamos de nossas origens. (Lembro-me bem de uma “difícil”
sessão de análise em que, ao final, perguntei ao meu analista se eu podia
dar-lhe um abraço. Felizmente ele concordou...)
Faz 40 anos que o ebola anda matando africanos. Ninguém deu muita bola (com o perdão do trágico trocadilho). Agora ele ameaça o mundo. Agora faz pensar e tomar atitudes. Demorou.
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