terça-feira, 26 de agosto de 2014

Arte Moderna - roteiro para um curta metragem


Roteiro para um curta-metragem


Background:

            Ângela, 23, sonhava em ser pintora. Desde pequena carregava uma pequena mochila, cheia de cadernos de desenho, lápis de cor, craion, aquarela, carvão, e desenhava tudo o que via pela frente. A família já não duvidava daquela vocação, embora o pai, um português xucro, achasse aquilo tudo uma grande perda de tempo.
            A menina cresceu, entrou para a Faculdade de Artes. Era um grande sonho que se realizava.

Primeira tomada:

A família reunida para o café de manhã, numa pequena casa de subúrbio, todos falando ao mesmo tempo, Ângela excitadíssima, pois iria pela primeira vez à Pinacoteca do Estado de São Paulo, realizar, como exercício exigido pela Faculdade, a cópia de algum quadro que ela escolhesse. Havia obtido a permissão do museu, os apetrechos preparados de véspera, tintas, pinceis, cavalete, tela, tudo bem arrumado, pois ela tomaria o trem, depois o metrô até a estação da Luz, caminharia a pé um pouco mais, e lá estaria ela, futura grande artista do Brasil.

Segunda tomada (rápida):

Ângela, contemplativa, carregando toda aquela tralha, dentro do trem, feliz da vida!

Terceira tomada (rápida):

Ângela, com o mesmo semblante, sentada no vagão do metrô.

Quarta tomada:

Ângela chega à Pinacoteca, sobe a pequena escada da frente e exibe, orgulhosa, a permissão para trabalhar, e entra.

Quinta tomada:

Ângela entra na sala onde está o quadro que será copiado como exercício de arte.

(Ao cinegrafista: cuidado para não mostrar o quadro neste momento. Imagem fixa em Ângela.)

Ela desfaz a bagagem, posiciona o cavalete, fixa a tela nele, abre as tintas necessárias, prepara paleta e pinceis. Está pronta para iniciar o exercício. O olhar de Ângela agora dirige-se para o quadro escolhido, pleno de embevecimento! É a primeira vez que ela procura igualar-se a um artista de verdade e considera aquele momento mágico o início de promissora carreira de artista plástica.

(A câmera então, muito lentamente, mas muito lentamente mesmo, desloca-se do rosto de Ângela para o quadro, Sem título (1985), de Mira Schendel, onde se fixa por intermináveis 45 segundos.)

Corta!





Sem título, Mira Schendel (1985)

Foto: A.Vianna, São Paulo, Pinacoteca do Estado, ago. 2014.

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