Em recente crônica na Folha de São Paulo
(27/7/2014), José Simão saiu-se com esta pérola: “O Maluf partiu pro Skaf.
Skafedeu!” Eis o trocadilho perfeito!
Segundo Houaiss, trocadilho vem de troca + -ilho; em espanhol, a expressão
a la trocadilla, significa “às
avessas”. Deonísio da Silva, em De onde vêm as palavras (Novo Século, 2009), ao
tratar do verbete cita Millôr Fernandes, que se referia a José Sarney como Sir
Ney; e João Batista Figueiredo, que chamava Tancredo Neves de Tancredo Never.
A conotação
política está presente em grande parte dos trocadilhos, mas não é obrigatória.
Entre os anos 50 e 60, cursava eu o segundo grau em Guaratinguetá, no Instituto
de Educação Conselheiro Rodrigues Alves, e fazia parte de um quarteto de
trocadilhistas, composto por dois vetustos professores, o de física, Valdemar
da Ponte, a de química, Santina Gianico, o colega Geraldo e este modesto
blogueiro. A disputa era permanente e motivo de muita gargalhada. Tínhamos até
um patrono ilustre, Emílio de Menezes!
Emílio
Nunes Correia de Menezes nasce em Curitiba em 1866. Aos 20 anos embarca para o
Rio de Janeiro, trabalha por pouco tempo no Banco do Brasil, quando passa a se dedicar
ao jornalismo. Envolve-se com a Bolsa de Valores, ganha muito dinheiro e vive como
um boêmio, frequentador assíduo da Colombo. Publica inúmeros livros de poesia,
quase todos de cunho satírico.
Josué Montello prefacia a Obra Reunida do
autor (José Olympio Editora, 1980) e registra que, com a morte de José do
Patrocínio, em 1905, fala-se em Emílio de Menezes para seu sucessor na ABL.
Sondado por alguns acadêmicos, o presidente da instituição, ninguém menos que Machado
de Assis, leva alguns imortais a um bar no centro da cidade, “em cuja parede
aparecia o poeta a empunhar um copázio espumante”. O nome de Emílio não é
aprovado.
Em 1916, com a morte de Salvador de
Mendonça, Emílio candidata-se à vaga, sendo eleito por larga margem de votos,
batendo o grande Gilberto Amado. Seu discurso de posse é censurado e Emílio não
toma posse. Morre em 8 de junho de 1918. Apenas em 1924 a ABL divulga, com
modificações, seu discurso de posse.
Emílio traduziu o famoso poema O Corvo,
de Edgar Allan Poe, e dedicou-o a Machado de Assis, com as seguintes palavras:
“Ao inexcedido e inexcedível tradutor do genial poema de Edgar Poe, consagro
esta pálida paráfrase que em nada se aproxima e jamais pretendeu aproximar-se
da imorredoura tradução feita pelo Mestre dos Mestres.”
Grande cultor do soneto, eis um exemplo do
poeta parnasiano (Poesias, 1909):
Noite de insônia
Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos, ambos nós, o peito contra o peito.
Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;
Este leito que aí está revolto assim, desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.
Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.
Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...
Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo
E, estendendo, lá fora, as sombras augurais.
Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.
E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,
Quanto me punge e corta o coração enfermo,
Este horrível temor de que não voltes mais!...
Além de poeta satírico, Emílio cultivou a
arte do trocadilho. Cito alguns exemplos, todos de uma ingenuidade comovente.
“O ministro da fazenda adquiriu, para o
serviço externo da Diretoria Geral do Gabinete, uma “barata” da força de 60
cavalos. Admira que tenha feito semelhante aquisição um financeiro como o sr.
Xico Salles. Por que não adquiriu s. ex.a um landaulet? Pois não sabe s. ex.a que a barata sai cara?”
“– Conheces? É a mulher do Properoso: é
uma santa...
– Já ouvi dizer: por isso é que os amigos
do marido a chamam Nossa Senhora.”
“Dizem os telegrama de Roma que os
italianos tomaram o porto de Acaba. A crer na verdade das palavras deve ser
esse o fim da luta.”
“Entre
funcionários:
– A minha
repartição é um verdadeiro Mar Morto.
– Por que?
–
Faltam-lhe vagas”.
“Fala-se de
um dos nossos mais conhecidos elegantes colombianos, grande bilontra, e cuja
esposa é muito ciumenta:
– Sabes? O
S. tem agora uma deliciosa amante.
– Já me
disseram; por sinal que há um ponto de semelhança entre ela e a esposa
legítima, observa o Domingos.
– Qual?
– É que a
amante é deliciosa e a esposa dele ciosa.”
“Numa
festa, a senhora da alta sociedade perguntou a Emílio:
– O sr.
sabe quais são os encantos da mulher?
Ao que ele
respondeu de pronto:
– Sei-os...”
Logo que cheguei a Brasília, uma senhora
aflitíssima abordou-me numa superquadra, dizendo ter sido informada que
precisava de autorização de um ministério para poder viajar com seu cãozinho.
Perguntou-me se eu sabia que ministério era esse, ao que respondi instantaneamente,
Minha senhora, só pode ser o Ministério das Cãomunicações! A mulher não gostou
da pilhéria e saí de fininho, mas orgulhoso de minha obra prima.
Da lavra de meu irmão Paulo: A mulher
entra numa loja chique e pergunta o preço de um par de luvas. "Mil e
quinhentos reais", informa a vendedora. "Cara!", reage a
cliente. "Elas são de couro de javali, Senhora." O marido, ao lado,
solta, sem pestanejar: "Então eu já-vou-ali e volto..."
Há quem classifique os trocadilhos como
algo infame. Discordo. São apenas jogos de palavras, cheios de humor, e quando
espontâneos, são capazes de provocar o riso sincero em todos nós. E dizem que
rir é o melhor remédio...
Bons trocadilhos são verdadeiras pérolas. Como em toda arte, o desafio é fugir do banal. Uma característica deles é serem praticamente intraduzíveis a outros idiomas. Shakespeare é, por causa deles, uma tremenda dor de cabeça para os tradutores.
ResponderExcluirÓtima crônica!
Que delícia de crônica André, trocadilho é tempero para um bom dia.
ResponderExcluirMuito bom! Eu me lembro de ter ouvido ainda em criança uma passagem de Emílio, que teria dito num bonde a uma atriz que o assediava e queria sentar-se ao seu lado: "Atriz atroz, atrás há três"! E toda língua teve grandes escritores trocadilhistas, não é? De Mark Twain, um primor: "Age is an issue of mind over matter. If you don't mind, it doesn't matter". O Esperanto teve entre seus escritores geniais um mestre dos trocadilhos e aliterações: o francês Raymond Schwartz (1894-1973) - http://kabareto.esperanto.cc
ResponderExcluirOtima cronica, André. Paulo Leminski foi grande também nos trocadilhos:
ResponderExcluiracordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido