terça-feira, 27 de maio de 2014

Arvo Pärt chega aos Estados Unidos



“A Igreja Ortodoxa está no cerne da música de Arvo Pärt”, escreveu William Robin
para o New York Times, neste 27 de maio.(1) E o compositor estoniano, aos 78 anos de idade, completou: "A religião guia todos os processos de nossas vidas, sem que tenhamos consciência disso. ...É verdade que a religião desempenha papel muito importante em minhas composições, mas não consigo descrever como isso funciona realmente."
Considero-me um aficionado do compositor, que ouço há mais de 10 anos; posso gabar-me de possuir sua discografia quase que completa. E é com enorme entusiasmo que recebo a notícia de sua chegada aos Estados Unidos pela primeira vez em 30 anos, para apresentações em Nova York e Washington, quando as relações entre sua música e religiosidade – Pärt é cristão ortodoxo oriental praticante – vêm à tona. “Componho música para mim mesmo, baseado em minha própria cognição. Por essa razão, ela reflete valores que são importantes para mim. Não encarrego minha música de discutir valores religiosos ou ortodoxos especiais. Em minha música, procuro refletir os valores que podem tocar todo indivíduo, cada pessoa”, acrescentou Pärt.
Em 1968, a estreia de "Credo", sua primeira composição abertamente sacra, foi censurada pelas autoridades soviéticas, que viram em sua música um ato de dissidência política, e suas composições desapareceram das salas de concertos. Ressurgiu em
1976, foi com Für Alina, utilizando-se da técnica “tintinabulante”: “Um entremear de linhas melódicas em que uma voz desenha um acorde, enquanto a outra descreve voltas em torno dele”, nas palavras de William Robin.
Spiegel im Spiegel e Kanon Pokajanen tornaram-se famosas representações da técnica minimalista, cujo ápice é atingido nas composições corais de Pärt.
            Porém, o artigo de Robin destaca também o que chama de “espiritualidade abstrata e elegante”, especialmente após o aparecimento do álbum Tabula Rasa, em 1984, terminando por classificar Arvo Pärt como um “compositor para todas as religiões”, e até mesmo para um “misticismo mais amplo”.
            Bem, chegamos ao ponto que me interessa particularmente, e que espero possa despertar alguma curiosidade no leitor que ainda desconheça o compositor estoniano. O artigo do New York Times, ao analisar a obra de Pärt, começa tratando de religião, passa à espiritualidade, e acaba chegando ao misticismo. Utiliza-se ainda da expressão “realidades humanas universais”, e por pouco não cita os “sentimentos oceânicos”, descritos por Romain Rolland (se não me falha a memória), e contestados por Freud.
            A enorme subjetividade de tais conceitos torna perfeitamente possível que a música de Arvo Pärt seja apreciada pelos que creem e pelos que não creem. Os primeiros verão nela mais um exemplo de manifestação ou influência divina, na qual se inspira o compositor. Os que não creem verão – não com menor grau de admiração e espanto –, a que ponto chegou a evolução humana, capaz de construir obras tão espetaculares, mesmo que não consigamos descrever como isso funciona, no dizer do próprio Pärt. O que desejo destacar é que a versão religiosa privilegiada pelo articulista do NYT não é a única possível para explicar, compreender e ouvir a belíssima música de Arvo Pärt. Ouço-a com frequência e a reverencio, com meus ouvidos que não creem.

            O leitor, dispondo de tempo e alguma curiosidade, poderá ouvir amostra de Arvo Pärt ao clicar:
https://www.youtube.com/watch?v=PAN_AObSarw

(1) http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/05/1460374-igreja-ortodoxa-esta-no-cerne-da-musica-de-arvo-part.shtml

Um comentário:

  1. Bem, o homem disse que os processos religiosos nos guiam, sem que tenhamos consciência. Mas não importa, o fato é que a música é belíssima. No youtube se encontram várias amostras do talento do estoniano. Acho que vou aproveitar o tema...

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