Álvaro era o
tipo do sujeito considerado por todos que o conheciam como politicamente
incorreto. Desse a ele uma chance e faria um discurso capaz de escandalizar o
mais libertário dos homens. Às vezes Álvaro abusava dessa qualidade e
tornava-se inconveniente, antissocial, agressivo mesmo, Tudo em prol da
liberdade de pensamento e expressão, dizia ele, certo de que sempre os fins
justificavam os meios.
Preparava-se para uma curta viagem a
São Paulo no fim de semana e antegozava aquilo que julgava ser um dos maiores
prazeres dessa vida, um banho num bom chuveiro de hotel. Sempre que ia à
Capital hospedava-se num hotel 5 estrelas e logo ao chegar, antes mesmo de
desfeitas as malas, tomava um banho de chuveiro, com duração de no mínimo 30
minutos, É pra relaxar, dizia ele, a água na temperatura ideal, o jato forte
caindo sobre a cabeça, a nuca, o dorso, verdadeira massagem de relaxamento.
Isso é o que há de melhor num 5 estrelas, repetia ele.
Pois daquela vez não seria
diferente. Realizado o check-in, Álvaro foi conduzido a uma bela suíte, com cama
king size, tv 52 polegadas 3D, decoração impecável. Álvaro só tinha olhos para
o banheiro. O box do chuveiro pareceu-lhe perfeito, revestido de mármore de
carrara, com aquela ducha enorme, verdadeira cachoeira. Despiu-se e foi ao
banho.
Ajustada a temperatura da água pela
abertura milimetricamente dosada das torneiras quente e fria, Álvaro iniciou a
tão esperada experiência que rotulava de Terapia pela água! Transcorridos
apenas dois ou três minutos do delicioso banho, surgiu-lhe na mente, sabe-se lá
de onde, em alto e bom som, sílaba por sílaba, a terrível palavra:
CAN-TA-REI-RA!
E não ficou nisso, para desespero de
nosso hóspede 5 estrelas. As imagens
sucediam-se:
– Cantareira 12,9.
– Cantareira 12,6.
– Cantareira 12,2.
–
Cantareira 12,1.
–
Cantareira 11,9.
Álvaro
fechou imediatamente as torneiras para recuperar-se do susto e poder pensar. O
que é isso, um pesadelo?, perguntou a si mesmo. Como se encontrasse ensaboado,
abriu novamente as torneiras, mas a contagem regressiva continuou:
–
Cantareira 11,8.
Álvaro
fechou a água e saiu do banho. Isso é cansaço, tenho trabalhado muito, não
tenho dormido bem, pensou. Vestiu-se e saiu para o almoço. Entretido com os
negócios, a razão da viagem, voltou no início da noite para o hotel, ansioso
por um bom banho de chuveiro.
Repetiu-se a experiência:
nem bem havia regulado a temperatura da água, martelou-lhe na cabeça a palavra
CANTAREIRA. E pior:
–
Cantareira 11,7.
Álvaro
fechou as torneiras suando frio e com taquicardia. O que é isso, meu Deus?
Beliscou-se para ter certeza de que estava acordado. O que está acontecendo
comigo? Não estou nem aí pra Cantareira, só desejo tomar o meu banho!
Porém,
a cada nova tentativa de banhar-se, o pesadelo voltava: CANTAREIRA CANTAREIRA
CANTAREIRA.
Na manhã seguinte, bem
cedo, Álvaro fechou a conta no hotel, antecipou o voo para casa, e à noite recusou-se
a ver os jornais pela tv.
Tal qual o Álvaro história, também aprecio um longo banho numa ducha de hotel. Diferentemente dele, a fixação de poder esgotar Cantareira ser-me-ia tão prazerosa quanto.
ResponderExcluirSabe-se lá por quê, ele não pôde... As vozes que vêm de dentro são poderosas.
ExcluirEu arrisco um palpite: no fundo ele sabe que se todo mundo fizer isso, nem banho rapidinho vai ter mais, logo, logo...
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