Você é contra o livro de bolso?
A pergunta pode parecer pueril descabida desafinada irritante mesmo, porém, por
mais singela que seja uma ideia, sempre haverá alguém que se oponha a ela –
gente do contra, costuma-se dizer. Isso é bom? Penso que sim.
Não gosto de livros de bolso. Já os manuseei nas
livrarias, alguns são até bonitinhos, bem acabados, com capas atraentes, o
papel geralmente ruim lembra papel de pão ou de jornal, e as letras – ah! as
letras – miudinhas ilegíveis.
Objeto
chinfrim, digo.
Mas não
posso dizer que sou contra o livro de bolso, isso seria um exagero. As razões
de ordem financeira para se comprar algo mais barato são inquestionáveis. Se o
sujeito vai à praia e deseja proteger seu volume de capa dura, sobrecapa,
cabeceado, da água do mar, areia e sal, por que não levar um livro de bolso?
Para deixá-los no banheiro, sempre à mão, são ideais! O mesmo podemos dizer
sobre carregá-los numa longa viagem, ao fim da qual estarão praticamente sebentos
esfacelados molambentos, de dar pena. Mas ser contra a existência deles,
convenhamos, é demais...
Até que me deparei neste sábado último com o ótimo artigo
Cultura de bolso, do Fernando Eichenberg, correspondente em Paris de O Globo,
que inicia com a frase do francês Henri Filipacchi “Não se pode viver sem um
livro em seu bolso”, proferida no começo dos anos 50. (A frase me encantou,
pois durante toda minha vida, desde a juventude, andei com um livro debaixo do
braço!) Aquele editor lançou em 1953 a coleção Livre de Poche, tornando rapidamente o pequeno objeto algo
corriqueiro e cotidiano entre os franceses.
Nos anos 60, quando o formato já era uma realidade no
mundo editorial, surgiu a polêmica. Autores de renome como Maurice Blanchot
voltaram-se contra a aquele tipo de publicação. Um certo estudante de medicina,
não identificado por Eichenberg, em programa de televisão, defendeu a
existência de uma “aristocracia de leitores”, e que o livro de bolso teria o
inconveniente de proporcionar leitura a “muitas pessoas que não têm necessidade
de ler”, revelando apenas uma certa “pretensão intelectual”.
Até mesmo o filósofo alemão Jürgen Habermas entrou na
briga, acrescentando outra pitada de realidade:
“Com os livros de bolso, o que é durável aparece sob a forma do
perecível, enquanto, ao contrário, os clubes do livro oferecem sucessos
literários efêmeros sob a forma de livros feitos para durar: encadernados e com
as bordas das páginas douradas”.
O filósofo e historiador de arte Hupert Damisch, em 1964,
afirmou que o livro de bolso era uma “ilusão cultural”, “mistificadora”, um
“substituto simbólico de privilégios educativos e culturais dos quais a grande
massa não participa”. (Isso na França, meu deus!)
No ano seguinte a revista Les temps modernes dirigida por Sartre saiu em defesa do objeto: “O
livro de bolso é feito para circular, servir, e preencherá plenamente seu papel
no dia em que, considerado como um simples meio e não como um fim, a leitura,
graças a ele, cessará de ser um privilégio para se tornar uma partilha, o
caminho mais curto que liga um homem a outro”.
Nos anos
70 a polêmica havia se extinguido por completo: o livro de bolso tornou-se um
sucesso editorial inconteste, que perdura até nossos dias. Há quem afirme que
agora está seriamente ameaçado pelos e-books,
mas esta é uma outra polêmica...
Repito,
não gosto de livros de bolso, mas penso que melhor lê-los – e há ótimos autores
publicados neste formato – do que nada ler. Gostei mesmo de saber que foram
motivo de acirrada polêmica, há muito superada. De fato, tudo, mas tudo mesmo,
pode ser questionado discutido conversado – desde o uso da vírgula até o livro
de bolso.
Pensar faz
bem à alma.
Não imaginava que um objeto tão simpático, oportuno e popular como o livro de bolso pudesse causar tanta polêmica... Coisa de intelectuais. O povo pegou o livrinho, pôs no bolso e leu. Não importa o papel, importam as ideias nele impressas. Vamos ver o que acontece com o livro eletrônico.
ResponderExcluirMeus primeiros Laborit são de bolso: isso já seria motivo suficiente para gostar do formato. Dois deles andam comigo, todos os dias. Além das letras não serem tão pequenas, o cheiro do papel também me agrada.
ResponderExcluirDe tanto andar com eles, Nilson, pegaram o seu jeito.
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