terça-feira, 10 de setembro de 2013

Monteiro Lobato em HQ?

Ao Paulo e Maria Helena.





Da última vez que me perguntaram quais tinham sido minhas leituras de infância – foi uma repórter de um jornal local –, admito que fiquei um tanto constrangido, sentindo-me completamente fora-de-moda, ao responder Monteiro Lobato. E ainda acrescentei um detalhe: ao terminar a última página de O Minotauro, ou Os doze trabalhos de Hércules, e tantos outros, fechava o livro, virava-o, e recomeçava a leitura da primeira página, incontáveis vezes. O constrangimento deveu-se ao fato de que não ouço mais falar em Monteiro Lobato, ou que as crianças de hoje ainda o leiam.

            Até que o ótimo articulista Sérgio Augusto publica no Caderno 2 do Estadão neste 7 de Setembro crônica intitulada As leituras dos outros, em que apresenta “as primeiras seduções literárias de alguns amigos e conhecidos. Como esperado, Monteiro Lobato deu uma sova nos concorrentes, com cerca de 70% das preferências; percentual que na certa aumentaria se ampliasse o número de consultados”. (1) E cita como leitores assíduos de Lobato, ninguém mais ninguém menos que Clarice Lispector, Ana Maria Machado, Silviano Santiago, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, Antonio Cícero, Macalé, Nelson Motta. Bem verdade, todos acima dos 60, 70 ou mais!
            Assim é que a pergunta persiste: a criançada de hoje ainda lê Monteiro Lobato?
            Qual minha surpresa quando vejo em site de grande livraria a propaganda da Caixa Monteiro Lobato em Quadrinhos, composta de 6 volumes! À primeira vista, o fato causou-me nítido mal estar, flagrante desvalorização do magistral texto original de Lobato, como que prostituído por uma adaptação – por mais bem feita que seja – e pelos quadrinhos. Uma ultrajante impostura, foi o que senti.
Por que tirar da mente infantil (ou infanto-juvenil) a possibilidade de criar imagens a partir do texto corrido? A criação imaginativa a partir do texto fica a cargo do pequeno leitor; e cada um fará sua própria leitura, como ocorre na relação autor/leitor na literatura em geral.
            Talvez se trate apenas de uma jogada de marketing: se os originais estão vendendo pouco, vamos lhes dar um novo gás, empurrá-los de outra forma...
Ou o objetivo seria facilitar as coisas para o pequeno leitor? Verdade que ler e pensar dá trabalho; então, que tal vender a coisa pronta, mastigada e digerida? Afinal, quem não gosta? Para as crianças, as “figuras” nos livros, o que chamamos “ilustrações”, sempre despertaram grande interesse e curiosidade. Sérgio Augusto nos conta que, para o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues, o livro marcante da infância foi A Divina Comédia, não pelo texto de Dante, que ele nunca leu, mas pelas ilustrações de Gustave Doré, em particular aquelas referentes ao Inferno, causando no menino “medo e excitação”, pelo terror e erotismo que contêm. (Em tempo, tais gravuras também fizeram parte da minha infância...)
Pois é, o leitor já deve ter percebido a minha má vontade para com os tais Quadrinhos. Então, fui em busca do contraditório, e encontrei o trabalho de Patrícia Kátia da Costa Pina, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, intitulado Monteiro Lobato em HQ: novas formas de ler a LIJ na contemporaneidade. Assim ela resume a questão: “Na adaptação do livro de Monteiro Lobato para quadrinhos, a Editora Globo introjetou em cada página o pequeno leitor contemporâneo, jogando com suas expectativas e com seu repertório em construção, sem abandonar o projeto do escritor de Taubaté - ele mostra à criança quem ela é na HQ e a partir da HQ. A leitura desse volume de HQ me parece estabelecer um saudável confronto entre a literatura, os seus diferentes suportes e o leitorado de agora, imerso num mundo que transita entre a concretude do impresso e a virtualidade da internet. As novas mídias, dentre as quais a TV, o cinema, os quadrinhos, entram no circuito da formação do gosto pela leitura literária construindo um espaço paradoxal, mas eficiente. Os quadrinhos invadem a criança e deixam-se invadir por ela, estabelecendo caminhos alternativos, lúdicos, de ler a ficção, o mundo e a si mesmo no mundo.” (2)
         A autora está em boa companhia, ao citar como referências bibliográficas Roger CHARTIER, Jean FOUCAMBERT, Johan HUIZINGA, Wolfgang ISER, e quem sou eu para contestá-la. O argumento “formação do gosto pela leitura” parece interessante, porém o que temo é a formação do gosto pela leitura fácil, na qual a imagem pronta substitui a fantasia pessoal.
         De minha parte, não possuo referência alguma em que me escorar, a não ser a minha própria, de leitor ardoroso de Monteiro Lobato em minha infância, e no original. Figuras, só havia as das capas, lindíssimas, e era o bastante para que viajássemos pelo texto, eu e meus irmãos, em aventuras que guardamos carinhosamente até hoje.

(1) http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-leituras-dos-outros-,1072247,0.htm
(2) http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem15/COLE_269.pdf
           



2 comentários:

  1. Concordo. Acho que não teríamos sentido o mesmo encanto se trocássemos o texto de Lobato pelos desenhos em quadrinhos. De quadrinhos, guardo lembrança muito boa de ter lido muito "Tarzan", muito "Fantasma", muito "Bolinha", muito "Zorro". Nada contra os quadrinhos! Mas Lobato é sagrado...

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  2. André,perdão, não resisto, e tomo a liberdade de deixar aqui meu comentário em verso, poemeto do meu livro "Sem cerimônia" (Juiz de Fora,MG, 2000):
    Menina
    Quando eu era criança,
    vivia no Sítio
    do Pica-pau Amarelo.
    Agora o Sítio
    do Pica-pau Amarelo
    vive em mim.
    (1999)

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