Ao Paulo e Maria Helena.
Da última
vez que me perguntaram quais tinham sido minhas leituras de infância – foi uma
repórter de um jornal local –, admito que fiquei um tanto constrangido,
sentindo-me completamente fora-de-moda, ao responder Monteiro Lobato. E ainda
acrescentei um detalhe: ao terminar a última página de O Minotauro, ou Os doze
trabalhos de Hércules, e tantos outros, fechava o livro, virava-o, e recomeçava
a leitura da primeira página, incontáveis vezes. O constrangimento deveu-se ao
fato de que não ouço mais falar em Monteiro Lobato, ou que as crianças de hoje
ainda o leiam.
Até que o ótimo articulista Sérgio Augusto publica no
Caderno 2 do Estadão neste 7 de Setembro crônica intitulada As leituras dos
outros, em que apresenta “as primeiras seduções literárias de alguns amigos e
conhecidos. Como esperado, Monteiro Lobato deu uma sova nos concorrentes, com
cerca de 70% das preferências; percentual que na certa aumentaria se ampliasse
o número de consultados”. (1) E cita como leitores assíduos
de Lobato, ninguém mais ninguém menos que Clarice Lispector, Ana Maria Machado,
Silviano Santiago, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, Antonio Cícero, Macalé,
Nelson Motta. Bem verdade, todos acima dos 60, 70 ou mais!
Assim é que a pergunta persiste: a criançada de hoje
ainda lê Monteiro Lobato?
Qual minha surpresa quando vejo em site de grande
livraria a propaganda da Caixa Monteiro Lobato em Quadrinhos, composta de 6
volumes! À primeira vista, o fato causou-me nítido mal estar, flagrante desvalorização
do magistral texto original de Lobato, como que prostituído por uma adaptação –
por mais bem feita que seja – e pelos quadrinhos. Uma ultrajante impostura, foi
o que senti.
Por que
tirar da mente infantil (ou infanto-juvenil) a possibilidade de criar imagens a
partir do texto corrido? A criação imaginativa a partir do texto fica a cargo
do pequeno leitor; e cada um fará sua própria leitura, como ocorre na relação
autor/leitor na literatura em geral.
Talvez se trate apenas de uma jogada de marketing: se os
originais estão vendendo pouco, vamos lhes dar um novo gás, empurrá-los de
outra forma...
Ou o
objetivo seria facilitar as coisas para o pequeno leitor? Verdade que ler e
pensar dá trabalho; então, que tal vender a coisa pronta, mastigada e digerida?
Afinal, quem não gosta? Para as crianças, as “figuras” nos livros, o que
chamamos “ilustrações”, sempre despertaram grande interesse e curiosidade.
Sérgio Augusto nos conta que, para o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues, o
livro marcante da infância foi A Divina Comédia, não pelo texto de Dante, que
ele nunca leu, mas pelas ilustrações de Gustave Doré, em particular aquelas
referentes ao Inferno, causando no menino “medo e excitação”, pelo terror e
erotismo que contêm. (Em tempo, tais gravuras também fizeram parte da minha
infância...)
Pois é, o
leitor já deve ter percebido a minha má vontade para com os tais Quadrinhos.
Então, fui em busca do contraditório, e encontrei o trabalho de Patrícia
Kátia da Costa Pina, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, intitulado Monteiro Lobato em HQ: novas formas de ler a
LIJ na contemporaneidade. Assim ela resume a questão: “Na adaptação do
livro de Monteiro Lobato para quadrinhos, a Editora Globo introjetou em cada
página o pequeno leitor contemporâneo, jogando com suas expectativas e com seu
repertório em construção, sem abandonar o projeto do escritor de Taubaté - ele
mostra à criança quem ela é na HQ e a partir da HQ. A leitura desse volume de
HQ me parece estabelecer um saudável confronto entre a literatura, os seus
diferentes suportes e o leitorado de agora, imerso num mundo que transita entre
a concretude do impresso e a virtualidade da internet. As novas mídias, dentre
as quais a TV, o cinema, os quadrinhos, entram no circuito da formação do gosto
pela leitura literária construindo um espaço paradoxal, mas eficiente. Os
quadrinhos invadem a criança e deixam-se invadir por ela, estabelecendo
caminhos alternativos, lúdicos, de ler a ficção, o mundo e a si mesmo no mundo.”
(2)
A
autora está em boa companhia, ao citar como referências bibliográficas Roger
CHARTIER, Jean FOUCAMBERT, Johan HUIZINGA, Wolfgang ISER, e quem sou eu para
contestá-la. O argumento “formação do gosto pela leitura” parece interessante,
porém o que temo é a formação do gosto pela leitura fácil, na qual a imagem
pronta substitui a fantasia pessoal.
De
minha parte, não possuo referência alguma em que me escorar, a não ser a minha
própria, de leitor ardoroso de Monteiro Lobato em minha infância, e no
original. Figuras, só havia as das capas, lindíssimas, e era o bastante para
que viajássemos pelo texto, eu e meus irmãos, em aventuras que guardamos
carinhosamente até hoje.
(1) http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-leituras-dos-outros-,1072247,0.htm
(2) http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem15/COLE_269.pdf
Concordo. Acho que não teríamos sentido o mesmo encanto se trocássemos o texto de Lobato pelos desenhos em quadrinhos. De quadrinhos, guardo lembrança muito boa de ter lido muito "Tarzan", muito "Fantasma", muito "Bolinha", muito "Zorro". Nada contra os quadrinhos! Mas Lobato é sagrado...
ResponderExcluirAndré,perdão, não resisto, e tomo a liberdade de deixar aqui meu comentário em verso, poemeto do meu livro "Sem cerimônia" (Juiz de Fora,MG, 2000):
ResponderExcluirMenina
Quando eu era criança,
vivia no Sítio
do Pica-pau Amarelo.
Agora o Sítio
do Pica-pau Amarelo
vive em mim.
(1999)