Depois de atravessar com
genuíno interesse as mais de 400 páginas do livro de Will Gompertz,
considero-me um pouco mais seguro para estabelecer certo tipo de julgamento,
completamente amador e irresponsável, sobre alguma obra da chamada arte
moderna. A afirmação pode parecer pretenciosa, mas não é; apenas aprendi que as
coisas não são tão complicadas assim, em se tratando de arte moderna. Como
quase tudo na vida, é preciso informar-se e pensar sobre o assunto.
Gompertz, ele mesmo coloca bem o problema do “julgamento”
da obra de arte quando afirma “a arte abstrata nos expõe ao risco de passar por
bobos, acreditando em algo que não está ali. Ou, é claro, de rejeitar
levianamente uma obra de arte reveladora porque nos falta coragem para
acreditar.” Eis o dilema dos amadores como eu.
A edição brasileira do livro de Gompertz (Zahar, 2013)
tem a capa de Elisa von Randow, designer e ilustradora, que associa brilhantemente
o título provocativo – Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo
até hoje – com a ilustração de Roy Lichtenstein – The gun in America –, a mão que segura um revolver diretamente
apontado para o expectador, o cano fumegante. Um tiro certeiro em quem olha
para o livro, e gosta de Arte!
O autor inicia sua história com os pré-impressionistas
(1820-1870), passa pelos impressionistas (1870-1890), detém-se nas ramificações
pos-impressionistas , chama Cézanne de “o pai de todos nós”, continua
enumerando os ismos subsequentes, coloca nas alturas o precursor da arte
conceitual Marcel Duchamp (1887-1968), detém-se em Andy Warhol (1928-1987) e
suas Latas de sopa Campbell, chega ao pós-modernismo, e finalmente ao que chama
de “Arte agora”, com grande destaque para o britânico Damien Hirst (1965-), já
no final do livro.
Hirst é o autor de duas obras intrigantes, para dizer o
mínimo: A Thousand Years (1990) e A
impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo (1991). Tive a
oportunidade de vê-as pessoalmente em Londres, na Tate Modern.
Tate Modern, Londres (foto do autor).
A Thousand Years (1) consiste numa caixa
retangular de vidro de 4x2x2 m, com uma divisória de vidro no meio, com 4
orifícios redondos comunicando as duas metades. De um lado, um cubo branco, com
um único ponto negro em todas as faces. No outro, a cabeça de uma vaca, em
estado de putrefação. Sobre ela, está pendurado um eletrocutor de moscas, com
duas lâmpadas fluorescentes que atraem os insetos. Em dois cantos da caixa,
duas tigelas com açúcar. Hirst acrescentou moscas à caixa, elas põem ovos sobre
a cabeça putrefacta, surgem larvas, depois moscas, que comem açúcar, copulam
com outras moscas, que põem mais ovos sobre a cabeça, e eventualmente são
eletrocutadas, permanecendo mortas no assoalho de vidro. A representação do
ciclo da vida.
Gompertz acrescenta: “Repulsivo? Sim. Bom? Muito. Arte?
Sem dúvida alguma.” Eu gostei.
A segunda obra, A impossibilidade física da morte na
mente de alguém vivo (2), consta de um tubarão-tigre de 4 m de comprimento,
suspenso numa caixa de vidro contendo formol. É impressionante.
Gompertz afirma que “Arte é sempre, em certa medida, uma
tentativa de criar ordem a partir do caos. ...O objetivo é sempre o mesmo: pôr
a vida sob controle.” Porém, todas as referências utilizadas no livro, todas as
obras, com seus respectivos autores, apresentadas são consideradas obras de
arte. Nenhuma delas foi chamada de não-arte. Faltou, em meu ponto de vista, o
contraditório: Isso não é arte! Como não há qualquer referência – e isso me
pareceu imperdoável – a Jean-Michel Basquiat, de quem sou admirador fervoroso,
pensei que a ausência de um artista seria a forma de dizer que ele não produz
ou produziu arte. Porém, encontrei na Internet elogios rasgados de Gompertz a
Basquiat (3).
Não há dúvida de que o livro nos ajuda a compreender
melhor a Arte, mas nada é fácil nesta vida. As respostas nunca estão todas
prontas, e pensar dá muito trabalho...