“Antes cair das nuvens que
de um terceiro andar.”
A frase, que
caberia perfeitamente num twitter – tem apenas 47 toques – é de ninguém menos
que Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas. No belo artigo A
tradição do Twitter no Brasil, publicado no Eu & Fim de semana em
16/08/2013, o ótimo suplemento cultural do valor Econômico – talvez o melhor dentre
quantos haja –, Miguel Sanches Neto afirma, ao destacar a frase acima, que
Machado foi nosso primeiro tuiteiro. Para ser fiel a Machado, a máxima completa
é
“Não te
irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um
terceiro andar”,
do capítulo CXIX,
intitulado Parêntesis, do mesmo livro. E que também caberia num twitter, pois
tem menos de 100 toques.
Outros
possíveis cultores do Twitter literário citados por Sanches Neto (identificado modestamente
no jornal apenas como “ficcionista”, porém trata-se de professor universitário, poeta, ensaísta, cronista, romancista, contista, crítico literário) são Oswald de Andrade, Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Murilo Mendes, verdadeiros precursores
do Twitter nacional. Há um autor especial, pois chegou a usar em vida o
microblog de forma magistral, e seus seguidores o mantêm em atividade até hoje.
É Millôr Fernandes! O twitter que todos nós gostaríamos de compor é dele:
“Livre pensar é só pensar.”
Outro
contemporâneo citado por Sanches é Dalton Trevisan, grande potencial tuiteiro,
autor da seguinte pérola:
“Esse aí me
adora, sim: daqui para baixo”.
Miguel
Sanches Neto termina seu artigo de forma categórica: “Assim, quando o Twitter
foi inventado, já tínhamos uma prática centenária de linguagem fragmentada,
irônica, inteligente e desabusada, vinculada à oralidade e ao povo. Daí o
grande sucesso do microblog entre nós, por permitir que conjugássemos
coletivamente toda uma tradição.”
À lista de possíveis tuiteiros, gostaria de acrescentar o
nome de José Rezende Jr., jornalista e ficcionista radicado em Brasília, que publicou
em Estórias mínimas (7 Letras, 2010) quase 200 microcontos, todos com menos de
140 toques, portanto tuitáveis, de valor literário indiscutível. Cito aqui o
Abraço
partido
“Lava carros
o dia inteiro, com um único braço. Só sente falta do membro amputado quando
chega em casa, e abraça pela metade a mulher amada.”
Quando ouço o comentário Não gosto
do Twitter, (parece que o mundo está dividido entre aqueles que preferem o
Twitter e os fãs do Facebook) penso que o sujeito não gosta é do que se escreve
no Twitter, ou como o blog é utilizado, talvez até por ele mesmo.
Não há exercício melhor para se
desenvolver a capacidade de síntese que o Twitter literário. O primeiro dos
aforismos de Franz Kafka, na tradução sempre correta de Modesto Carone
(Serrote, IMS, 2009), não caberia num twitter, por conter 159 toques:
“O
verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada no alto, mas logo
acima do chão. Parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser percorrida.”
Minha admiração por Kafka, e
particularmente por este aforismo, levou-me a adequá-lo ao Twitter, sem
qualquer perda de sentido ou conteúdo:
O
verdadeiro caminho passa por uma corda não esticada no alto, mas logo acima do
chão, mais destinada a fazer tropeçar que a ser percorrida.
Quem
sabe um Kafka tuiteiro nos presenteasse a todos nós com esta magnífica ideia!
Bem,
está visto que sou fã ardoroso do microblog, criado em 2006 por Jack Dorsey.
(Diga-se de passagem que não gosto do Facebook...)
Neste
Louco por cachorros, o marcador "microconto" guarda meus twiters, que já somam
117, agora com o incentivo de Miguel Sanches Neto.
Ref.: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed760_a_tradicao_do_twitter_no_brasil
Ref.: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed760_a_tradicao_do_twitter_no_brasil
Uma hipótese: os contra-o-twitter talvez se assustem com a economia de palavras, tanto quanto com o conteúdo. A verborragia atenua o não-saber...
ResponderExcluirÉ verdade, Paulo. Com poucas palavras, é impossível disfarçar uma asneira.
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