segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Twitter literário


“Antes cair das nuvens que de um terceiro andar.”
           
A frase, que caberia perfeitamente num twitter – tem apenas 47 toques – é de ninguém menos que Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas. No belo artigo A tradição do Twitter no Brasil, publicado no Eu & Fim de semana em 16/08/2013, o ótimo suplemento cultural do valor Econômico – talvez o melhor dentre quantos haja –, Miguel Sanches Neto afirma, ao destacar a frase acima, que Machado foi nosso primeiro tuiteiro. Para ser fiel a Machado, a máxima completa é

“Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens que de um terceiro andar”,

do capítulo CXIX, intitulado Parêntesis, do mesmo livro. E que também caberia num twitter, pois tem menos de 100 toques.
Outros possíveis cultores do Twitter literário citados por Sanches Neto (identificado modestamente no jornal apenas como “ficcionista”, porém trata-se de professor universitário, poeta, ensaísta, cronista, romancista, contista, crítico literário) são Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Murilo Mendes, verdadeiros precursores do Twitter nacional. Há um autor especial, pois chegou a usar em vida o microblog de forma magistral, e seus seguidores o mantêm em atividade até hoje. É Millôr Fernandes! O twitter que todos nós gostaríamos de compor é dele:

“Livre pensar é só pensar.”

Outro contemporâneo citado por Sanches é Dalton Trevisan, grande potencial tuiteiro, autor da seguinte pérola:

“Esse aí me adora, sim: daqui para baixo”.
           
Miguel Sanches Neto termina seu artigo de forma categórica: “Assim, quando o Twitter foi inventado, já tínhamos uma prática centenária de linguagem fragmentada, irônica, inteligente e desabusada, vinculada à oralidade e ao povo. Daí o grande sucesso do microblog entre nós, por permitir que conjugássemos coletivamente toda uma tradição.”
            À lista de possíveis tuiteiros, gostaria de acrescentar o nome de José Rezende Jr., jornalista e ficcionista radicado em Brasília, que publicou em Estórias mínimas (7 Letras, 2010) quase 200 microcontos, todos com menos de 140 toques, portanto tuitáveis, de valor literário indiscutível. Cito aqui o

Abraço partido

“Lava carros o dia inteiro, com um único braço. Só sente falta do membro amputado quando chega em casa, e abraça pela metade a mulher amada.”

            Quando ouço o comentário Não gosto do Twitter, (parece que o mundo está dividido entre aqueles que preferem o Twitter e os fãs do Facebook) penso que o sujeito não gosta é do que se escreve no Twitter, ou como o blog é utilizado, talvez até por ele mesmo.
            Não há exercício melhor para se desenvolver a capacidade de síntese que o Twitter literário. O primeiro dos aforismos de Franz Kafka, na tradução sempre correta de Modesto Carone (Serrote, IMS, 2009), não caberia num twitter, por conter 159 toques:

“O verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada no alto, mas logo acima do chão. Parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser percorrida.” 

            Minha admiração por Kafka, e particularmente por este aforismo, levou-me a adequá-lo ao Twitter, sem qualquer perda de sentido ou conteúdo:

O verdadeiro caminho passa por uma corda não esticada no alto, mas logo acima do chão, mais destinada a fazer tropeçar que a ser percorrida.

Quem sabe um Kafka tuiteiro nos presenteasse a todos nós com esta magnífica ideia!
Bem, está visto que sou fã ardoroso do microblog, criado em 2006 por Jack Dorsey. (Diga-se de passagem que não gosto do Facebook...)
Neste Louco por cachorros, o marcador "microconto" guarda meus twiters, que já somam 117, agora com o incentivo de Miguel Sanches Neto.

Ref.: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed760_a_tradicao_do_twitter_no_brasil

2 comentários:

  1. Uma hipótese: os contra-o-twitter talvez se assustem com a economia de palavras, tanto quanto com o conteúdo. A verborragia atenua o não-saber...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É verdade, Paulo. Com poucas palavras, é impossível disfarçar uma asneira.

      Excluir