Querido amigo,
eu não sei o que é perder um filho, não posso saber, nunca
passei por isso. Você sabe.
Eu não sei o que é acordar de manhã e re-descobrir (todos os
dias) que ele ali não está, em seu quarto, ainda adormecido no leito de menino,
aguardando para ser chamado para o café da manhã. Você sabe.
Eu não sei o que é tomar o café da manhã na ausência do
filho que não irá mais para a escola, inútil portanto o corre-corre de todas as
manhãs, para que ele não perca seus compromissos. Você sabe.
Eu não sei o que é não precisar mais levar o filho à escola,
pois a ele nada resta a aprender, logo eu, que acredito que a vida é um eterno
aprendizado. Você sabe.
Eu não sei o que é assistir ao futebol sem a companhia dele,
vascaíno doente, sempre vestido com a camisa do clube e torcendo por uma
vitória mesmo que improvável. Você sabe.
Eu não sei o que é passar em frente ao McDonald e não parar
para que ele coma seu sanduiche preferido, beba o refrigerante de sempre, tome
o sorvete de sobremesa. Você sabe.
Eu não sei o que é ir ao cinema para ver um filme de ação na
ausência do filho que adorava filmes de ação. Você sabe.
Meu amigo, não tem fim esta lista de gestos e atitudes
cotidianos que agora não podem mais ser realizados em companhia do filho, o melhor
dos companheiros. Você sabe desta nova realidade; eu mesmo não posso compreendê-la.
Não se trata de tentativa de compreensão intelectual diante
desta experiência: apenas não a posso senti-la em toda a sua extensão, o que
aumenta minha angústia. Tomo conhecimento dela, penso constantemente nela,
através de seu sofrimento, meu amigo. Porém, o meu sofrer em decorrência disso
é bem diferente do seu, pois não sei o que é perder um filho. E você sabe.
Minha impotência e consequente angústia diante desta falta
de compreensão é incomparavelmente menor que sua impotência e angústia diante
da impossibilidade de compreensão de um fato como este: que o filho morra antes
do pai. Não nos parece natural. E o que não é natural torna-se mais difícil de
ser compreendido e aceito. Mas a quem cabe estabelecer o que é natural e o que
não é?
Esta pergunta, meu amigo, pode ser ampliada se formulada de
outra maneira: o que faz e o que não faz sentido na vida? Que o filho morra antes do pai, não nos
parece que faça sentido. Porém, quem estabelece o que faz e o que não faz
sentido, tornamos a perguntar?
Esta mesma questão pode ser posta tanto para os que creem
como para os que não creem, e para todos não haverá resposta definitiva quanto
à “compreensão emocional” de tais fatos, já que o entendimento intelectual
pouco ajuda nessas circunstâncias. Já a aceitação destes fatos inaturais é
outra coisa, obedece a um outro processo.
Estas parcas reflexões levam-me a uma última questão: qual o
sentido da vida? Fazê-la neste momento pode não ajudar o amigo, mas também não
posso evita-la. Talvez o sentido da vida seja exatamente a falta de sentido. Será
que isso pode ajudar?
Receba meu abraço amigo.
André.
Brasília, 6 de junho de
2012.
Termino a leitura com um no na garganta...
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