quarta-feira, 6 de junho de 2012

Carta ao amigo


Querido amigo,

eu não sei o que é perder um filho, não posso saber, nunca passei por isso. Você sabe.

Eu não sei o que é acordar de manhã e re-descobrir (todos os dias) que ele ali não está, em seu quarto, ainda adormecido no leito de menino, aguardando para ser chamado para o café da manhã. Você sabe.

Eu não sei o que é tomar o café da manhã na ausência do filho que não irá mais para a escola, inútil portanto o corre-corre de todas as manhãs, para que ele não perca seus compromissos. Você sabe.

Eu não sei o que é não precisar mais levar o filho à escola, pois a ele nada resta a aprender, logo eu, que acredito que a vida é um eterno aprendizado. Você sabe.

Eu não sei o que é assistir ao futebol sem a companhia dele, vascaíno doente, sempre vestido com a camisa do clube e torcendo por uma vitória mesmo que improvável. Você sabe.

Eu não sei o que é passar em frente ao McDonald e não parar para que ele coma seu sanduiche preferido, beba o refrigerante de sempre, tome o sorvete de sobremesa. Você sabe.

Eu não sei o que é ir ao cinema para ver um filme de ação na ausência do filho que adorava filmes de ação. Você sabe.

Meu amigo, não tem fim esta lista de gestos e atitudes cotidianos que agora não podem mais ser realizados em companhia do filho, o melhor dos companheiros. Você sabe desta nova realidade; eu mesmo não posso compreendê-la.

Não se trata de tentativa de compreensão intelectual diante desta experiência: apenas não a posso senti-la em toda a sua extensão, o que aumenta minha angústia. Tomo conhecimento dela, penso constantemente nela, através de seu sofrimento, meu amigo. Porém, o meu sofrer em decorrência disso é bem diferente do seu, pois não sei o que é perder um filho. E você sabe.

Minha impotência e consequente angústia diante desta falta de compreensão é incomparavelmente menor que sua impotência e angústia diante da impossibilidade de compreensão de um fato como este: que o filho morra antes do pai. Não nos parece natural. E o que não é natural torna-se mais difícil de ser compreendido e aceito. Mas a quem cabe estabelecer o que é natural e o que não é?

Esta pergunta, meu amigo, pode ser ampliada se formulada de outra maneira: o que faz e o que não faz sentido na vida?  Que o filho morra antes do pai, não nos parece que faça sentido. Porém, quem estabelece o que faz e o que não faz sentido, tornamos a perguntar?

Esta mesma questão pode ser posta tanto para os que creem como para os que não creem, e para todos não haverá resposta definitiva quanto à “compreensão emocional” de tais fatos, já que o entendimento intelectual pouco ajuda nessas circunstâncias. Já a aceitação destes fatos inaturais é outra coisa, obedece a um outro processo.

Estas parcas reflexões levam-me a uma última questão: qual o sentido da vida? Fazê-la neste momento pode não ajudar o amigo, mas também não posso evita-la. Talvez o sentido da vida seja exatamente a falta de sentido. Será que isso pode ajudar?

Receba meu abraço amigo.
André.
Brasília, 6 de junho de 2012.

Um comentário: