segunda-feira, 30 de março de 2020

O livro

Meus quadros favoritos


John Lyman
Pintor canadense (1866-1967)


eis a melhor receita
para suportar com alegria
o isolamento social

Gigante!

A foto do dia
dedicada a Paula Vianna



Nature

Depois que a quarentena acabar


...
– O que você vai fazer quando a quarentena acabar?
– Mando rezar missa pela alma dos mortos.
– E você, o que vai fazer?
– Vou passar dez dias em Paris.
– E você?
– Vou visitar uma tia que mora em Floriano, no Piauí.
– Bem, agora só falta você.
– Caio na esbórnia!
...

domingo, 29 de março de 2020

Coronavírus e a Igreja



Papa reza na Praça São Pedro vazia
Foto: Reuters/Guglielmo Mangiapane


A atitude do Papa Francisco de rezar missa em plena solidão de uma Praça São Pedro deserta, no Vaticano, em melancólica tarde chuvosa, me pareceu exemplar. “Senhor, não nos abandone”, implorou o pontífice.
            Nada de aglomerações, prescreve a Ciência. O Papa obedeceu, e mais que isso, revelou ao mundo que se dobrava às recomendações da Ciência, em rara comunhão de ideias entre Religião e Ciência. O mundo precisa disso nesse momento difícil por que passamos. Nunca dependemos tanto da Ciência e dos cientistas, dos pesquisadores e agentes de saúde que trabalham sem cessar em busca de soluções diante de inimigo poderoso.
            Que a missa vazia possa servir de exemplo para outras tantas religiões e seitas tão populares em nosso país, que teimam em realizar cultos em salões repletos de gente, em franca desobediência às recomendações da Organização Mundial da Saúde. O fundamentalismo religioso ignora a Ciência e prefere crer em milagres. Fora Satanás e seu vírus maldito, vociferam alguns pastores mais exaltados! Ou ainda, Nesta Casa do Senhor este vírus não entra! 
            Aqueles que preferem acreditar em fantasias infantis, tomados desde sempre pelo pensamento mágico, acreditam piamente no que dizem os pastores... e adoecem. O dízimo, porém, foi pago.
            Uma palavra para os que creem: Jesus Cristo exortou a vigiar e orar (Marcos 14:38): “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”. Ensinou também onde orar (Mateus 6:6): “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará”. 
            A missa vazia de Francisco pode ser vista como alguém que ora em seu próprio quarto, em silêncio.
            A comunhão entre Ciência e Religião mostrada pela Igreja nesse episódio me parece um avanço no chamado processo civilizatório, quando fé e razão caminham juntas, pacificamente. Um outro fato, no entanto, ocorrido quase ao mesmo tempo, revela quão difícil é libertar-se do pensamento mágico como tábua de salvação para as angústias, temores e sofrimentos humanos. 
Na véspera da citada missa (26 mar 2010) a Itália foi palco de ato religioso contra a pandemia, quando certo crucifixo de mais de 500 anos, tido como milagroso, foi levado de uma igreja em Roma para a Praça de São Pedro, para uma oração especial conduzida pelo mesmo Papa Francisco. Em 1522, o crucifixo foi carregado pelas ruas de Roma, também  num pedido pelo fim de uma grande peste que assolava o país.  
Eis que a fé supera a razão, no retorno do pensamento mágico. Aflora a clara manifestação da infância da humanidade, a demonstrar quanto ainda nos falta caminhar em direção do predomínio da razão. Mas é preciso mesmo ter paciência para com a humanidade.

sábado, 28 de março de 2020

Moisés de novo


Altares

Era ateu convicto. Praticava rituais e sacrifícios do início ao fim do dia.



Inconscientização

A decrepitude já aparecia em seus sonhos sem acordá-lo. Estava pronto.



Agonia

Apenas o caos e o cansaço lhe acalmavam.



Pandemia

Quando as clínicas veterinárias foram fechadas, a família entrou em pânico.




                               Moisés Tito Lobo Furtado

Terapia desnecessária


Hélio Schwartsman, que não é médico (mas a esposa dele é!), trata hoje de tema fundamental na Medicina, porém relegado a segundo plano por pacientes, familiares e pelos próprios médicos, diante da dificuldade de encarar a morte, e até de falar sobre a morte (Mais que um paliativo, Folha de S. Paulo, 28 mar 2020). Vejamos o que diz Schwartsman:

“Mesmo antes da epidemia, uma falha da medicina brasileira era a pouca atenção dada aos cuidados paliativos. Todo o mundo sabe que vai morrer um dia, mas, por uma série de fatores, esse é um assunto que preferimos evitar, inclusive nos hospitais. O resultado é o prolongamento de esforços terapêuticos para além do razoável, muitas vezes aumentando o sofrimento do paciente e incorrendo em gastos difíceis de justificar.”

O articulista salienta a falta de leitos de UTI em todo o Brasil, o que se torna ainda mais grave nesses tempos de pandemia. Os 47 mil leitos de UTI do país têm taxas de ocupação de 95% no SUS e 80% na rede particular, antes da COVID-19. Assim, “pacientes paliados que já não tenham como se beneficiar de internação devem, até para reduzir o risco de contrair nova moléstia, ser transferidos para casa ou unidades de retaguarda”, afirma Schwartsman.
            Esta é uma realidade antiga em nosso sistema de saúde. Para início de conversa, fala-se muito pouco da morte e do processo de morrer em nossas Faculdades de Medicina. Diante de um paciente terminal, fica mais fácil colocá-lo numa UTI do que conversar com a família, explicar adequadamente a situação, e encaminhar o paciente para casa, com o devido suporte paliativo. Falta habilidade aos médicos para tratar do tema. Falta disposição e coragem aos familiares para encarar a perda de um ente querido.
Ao final de sua crônica, Schwartsman faz uma pergunta importantíssima, sobre outro assunto tabu entre médicos e pacientes: “Como estão os estoques e a distribuição de morfina?” Médicos ainda têm muita dificuldade em administrar morfina mesmo a pacientes terminais, sob a absurda alegação de que “eles vão se viciar”. (Ouvi com frequência esta frase ao longo de minha vida de cirurgião.) Trata-se da negação da morte, sem dúvida, e com ela, o sofrimento desnecessário do paciente.
Muito importante que um pensador do nível de um Hélio Schwartsman traga o tema à baila em artigo de jornal.




sexta-feira, 27 de março de 2020

Muito triste!


Diante da pandemia, pesaroso, exclamou:
– Fico muito triste com o que vem acontecendo no Brasil desde 1500.

Vagalumes




“– Estão enganadas, olhem quantos. Venham para o lado de cá.
Foram então penetrando na mata, às margens do córrego, e conseguiram entrever, num pequeno espaço de tempo entre o crepúsculo e a escuridão total, vagalumes rumarem de ambos os lados do riacho em direção ao centro, desenhando pequenos arcos semelhantes aos das eulálias. Acompanhando as margens até onde a vista alcançava, podia-se divisar os vagalumes movendo-se no ar ao longe, de um lado para outro. Elas não os haviam avistado até aquele momento, porque o mato estava alto e eles voavam baixo, rente à água. Pouco antes do anoitecer, contudo, quando a escuridão no leito rebaixado do córrego não era total e ainda podiam enxergar o mato sob o vento, avistaram em suas margens longínquas, lá onde o regato seguia seu curso, inúmeros pontos de luz piscando de modo desordenado e traçando linhas intermináveis. As luzes misteriosas dos vagalumes pareciam ainda presentes nos sonhos de Sachiko, mesmo de olhos fechados ela podia distingui-las nitidamente. Aquele pequeno instante fora, sem dúvida, o momento mais marcante de toda a noite. Só por ter participado dele, já valera a pena ter vindo. O deleite com vagalumes não era algo tão pitoresco como a festa das cerejeiras em flor. Era, digamos, mais escuro, onírico, possuindo o sabor infantil de um conto de fadas. Quem sabe, este mundo pudesse ser mais bem expresso em música do que em desenho. Era provável que houvesse alguma composição musical, em coto ou em piano, que transmitisse aquela sensação.
            Extasiou-se numa sensação romântica ao pensar que, enquanto estava de olhos fechados em seu leito, uma infinidade de vagalumes flutuava no ar, piscando de um lado para outro na escuridão da noite. Era como se o seu espírito fosse atraído para junto deles e, com o bando, fosse embalado bem rente da superfície da água, ou mais alto...”


            O trecho acima ilustra bem o estilo literário de Jun‘Ichiro Tanizaki, em As irmãs Makioka (Estação Liberdade, 2019), à página 484. O tijolo contém 742 páginas, e cheguei, por ora, apenas até à 500; não resisti e publico no blog o lindo trecho sobre os vagalumes.
            Em meu ponto de vista, trata-se de um livro esplêndido, maravilhoso, que nos põe em contato com um mundo completamente diferente daquele em que sempre vivemos, ao descrever a cultura japonesa do início do século XX. É considerado a obra prima do autor.
            Voltarei a ele assim que terminar a leitura.

terça-feira, 24 de março de 2020

Os ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
                                                        [edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

                                                                                                      C.D.A.


Nota de Carolina Marcello, sobre o poema.

“Publicado em 1940, na antologia Sentimento do Mundo, este poema foi escrito no final da década de 1930, durante a Segunda Guerra Mundial. É notória a temática social presente, retratando um mundo injusto e repleto de sofrimento.
O sujeito descreve a dureza da sua vida sem amor, religião, amigos ou sequer emoções ("o coração está seco"). Em tempos tão cruéis, repletos de violência e morte, ele tem que se tornar praticamente insensível para suportar tanto sofrimento. Deste modo, sua preocupação é apenas trabalhar e sobreviver, o que resulta numa solidão inevitável.
Apesar do tom pessimista de toda a composição, surge um laivo de esperança no futuro, simbolizada pela "mão de uma criança". 
 Aproximando as imagens da velhice e do nascimento, faz referência ao ciclo da vida e à sua renovação.
Nos versos finais, como se transmitisse uma lição ou conclusão, afirma que "a vida é uma ordem" e deve ser vivida de forma simples, focada no momento presente.”


Contragolpe fatal

Para quem já estava sentindo falta do magistral microcontista Moisés Tito Lobo Furtado, aqui vai mais uma série, de 4 em 4.


Contragolpe fatal

Quando se via imobilizado pelo monólogo interminável de um tagarela, olhava nos olhos do rival e desferia a pergunta:
– Você acha isso bonito?



Usucapião

– Ouçam! Tudo ainda é meu e sou eu, principalmente o que perdi e o que não consegui ser.




Contato imediato

Entre a vertigem da queda inevitável e o chão, percebeu algo de bom lhe conduzindo.



Outro patamar

Aprendeu a vencer jogando mal.


                                            Moisés

sexta-feira, 20 de março de 2020

Homenagem a Semmelweis



Ignaz Semmelweis (1818-1865)


“Passaram-se mais de 150 anos desde que Ignaz Semmelweis demonstrou que o fato de os médicos lavarem as mãos no hospital evitava a morte de parturientes. Atualmente, esse gesto, tão simples quanto cotidiano, ganha nas últimas semanas um valor incalculável por ser uma das soluções mais eficazes para evitar o contágio pelo vírus SARS-CoV-2, mais conhecido em todo mundo como o novo coronavírus (Covid-19).”

ALBERTO LÓPEZ, para El País ( 20 mar 2020). 




Saber esperar


Velho, do grupo de risco, sabia do perigo da pandemia. Enquanto esperava, fazia palavras cruzadas.

Falta de assunto


Diante do isolamento e solidão, sem saber o que pensar, resolveu escrever sobre papel higiênico.

Que medo!


No supermercado, ao ver a prateleira de papel higiênico vazia, de medo, cagou-se todo.

Prateleiras vazias



Um repositor empurra um carrinho com papel higiênico até uma loja em Málaga


Por que o papel higiênico está se esgotando no mundo com o coronavírus? Pergunta Paz Álvarez, de Madri, para El País (18 mar 2020). 
O papel higiênico desapareceu das prateleiras dos supermercados, desde o início da crise, na Espanha, Hong Kong, Estados Unidos, Reino Unido, Cingapura, Austrália e outros países. A procura também é grande entre os brasileiros. No supermercado de bairro perto de minha casa, logo na entrada há uma pilha enorme do produto, a chamar a atenção do cliente que chega; não há falta, portanto.
            Afirma David Coral, presidente da agência BBDO, que “um produto higiênico dá uma sensação de segurança”. Além disso, “se você vê que as pessoas estão comprando, pensa que é por alguma razão e que é necessário, e nesse tipo de comportamento se demonstra que somos gregários”.
O professor de marketing, Paco Lorente, diz que “o consumidor, diante da possível escassez de um determinado produto, decide acumular a maior quantidade possível. Em uma crise como a que estamos vivendo, os produtos que nos dão bem-estar e limpeza são os mais valorizados”.
Afirma ainda Lorente: “No entanto, existe outro fator que determina essa compra compulsiva: a prateleira vazia. O lugar vazio leva as pessoas a pensar que vai escassear e isso provoca ansiedade, além do fato de que o que o consumidor mais quer é controlar a situação”. 
Jaime Veiga, diretor acadêmico do Master in Market Research and Consumer Behavior, fala de comportamentos irracionais gerados pelo estresse e pelo medo. “Uma situação de confinamento a longo prazo gera dúvidas sobre quanto vou precisar, mas gera principalmente medo que o produto acabe. E concorda com os outros especialistas consultados que o efeito da histeria coletiva costuma acontecer quando um artigo é escasso. Quando há muitas latas de conserva em uma prateleira, isso não gera ansiedade, mas se está faltando, uma necessidade urgente de consegui-las se produz”. Ele acredita que a “amplificação de tudo isso teve a contribuição das redes sociais, que reproduziram imagens que incitavam ao consumo desenfreado.”
Há uma estratégia de marketing, especialmente no setor do luxo, no qual são lançadas edições limitadas para aumentar a percepção de exclusividade de um artigo. Mas isso não parece acontecer com o papel higiênico, mesmo aqueles de folha tripla e perfume de lavanda, verdadeiras joias - porque ele merece!
Não estou certo que que seja apenas isso que dizem os especialistas, mas temos algo em que pensar, sobre fato tão intrigante.



quinta-feira, 19 de março de 2020

Ah, essa máscara...

Política sem palavras






esmo





Acaba de ser publicado pela Agência Comunica o livro de Paulo Sergio Viana intitulado esmo – poemas, para enorme alegria e orgulho de seus amigos, familiares e admiradores.
            Quem pega o livro pela primeira vez há de ficar encantado com a capa, belíssima, com fotografia do próprio autor e projeto gráfico de Joaquim Olímpio (desde já nossos agradecimentos a Paula Vianna, dona da Comunica). 
            Na contracapa Paulo escreveu:

“O verso elusivo é laço, visgo que envolve a presa fugidia e a imobiliza em pleno ar, por um átimo. Tênue abraço amoroso. Puro esmo.
Poesia é privilégio.”

            O privilégio é nosso, ao poder receber o abraço do poeta, cuja poesia é de rara qualidade nos dias atuais. A poesia contemporânea parece que deixa a desejar, pelo menos na opinião deste blogueiro. Paulo a recoloca em seu devido lugar.
            Eis um belo exemplo:

ao mar 

ó mar imenso mago
líquida esmeralda
eterno dançarino horizontal
sobre tablado invisível
cão pacífico
a lamber de maré
as franjas dos continentes
a sussurrar em linguagem de espuma 
a abraçar o mundo
cúmplice da lua
parceiro do sol
mar das regiões abissais
onde há peixes cegos
e criaturas de formas improváveis 
partilho contigo ó mar
a funda escuridão do pensamento 
            

Com o livro nas mãos, o leitor não deixe de observar que há na parte intitulada Caminho, sete lindos sonetos. Suspeito que o início da produção poética do autor tenha sido através dos sonetos, a forma clássica e difícil da boa poesia, árduo caminho a ser percorrido.
Outro exemplo:

O rastro 

A vida é como o rastro que o navio 
desenha à superfície do oceano, 
caminho passageiro e fugidio
que o mar de vagas varre, soberano. 

É feito só de espuma, puro engano,
o belo, luminoso, luzidio
traçado sobre a água azul. Insano 
querer que pelo mar corresse um rio. 

Assim serão os fatos desta vida,
dos quais nenhum resquício há de ficar, 
por mais que luminosa e apetecida. 

Deixemo-los, que vão se desmanchar, 
olhemos só à proa, atrevida,
que o importante, mesmo, é navegar. 


            Deixo aqui os nossos efusivos cumprimentos – escrevo em nome de toda a família – ao Paulo Sergio, pelo magnífico esmo!

quarta-feira, 18 de março de 2020

aconchegadamente




se deseja varanda acolhedora
cubra o piso com lajotas
use boa madeira de guarda
pinte de branco as paredes
forre o teto com madeira
decore-a com diversas plantas 
de variadas flores e perfumes
e espere vinte anos
até que tudo se ajeite
aconchegadamente


Foto: AVianna, mar 2020
iPhone 11

terça-feira, 17 de março de 2020

Matar o tempo


Há dias ouvi num programa de rádio, em emissora conceituada, que diante da necessária reclusão social causada pelo coronavírus, e da perspectiva de passar em casa o fim-de-semana e também a semana seguinte inteira, e depois a outra, o caro ouvinte tinha duas opções. 
            A primeira seria maratonar. Nem aspas preciso utilizar ao escrever esta palavra, pois ela já está registrada no Dicionário inFormal: (https://www.dicionarioinformal.com.br)

Maratonar:
1. Assistir a um seriado, ler um livro ou consumir qualquer produto de entretenimento de forma ininterrupta, frenética e incessante, com bastante interesse e empolgação, consumindo inteiramente ou parcialmente em um curto período de tempo.

2. Assistir a uma série sem parar.

            Eis um belo exemplo de criatividade que a língua propicia a nós, falantes! É pegar uma série de 8 capítulos por temporada com duração de 1 hora cada e assistir as 10 temporadas em um único fim-de-semana. Isso é maratonar.
            A segunda opção recomendada pela locutora seria providenciar jogos de tabuleiro. Fiquei espantado com a sugestão! Jogar xadrez, damas, banco imobiliário, palavras cruzadas, gamão, parece voltar no tempo! Logo pensei: não serve para mim: minha mulher não joga nada pois não tolera perder. E ficou nisso o aconselhamento da rádio.
            Fiquei esperando a terceira opção, que não veio. Por que não pegar um bom livro para ler? Até o Dicionário inFormal registra “ler um livro” como possibilidade de maratonar. Já não tenho idade para tanto, mas estou enfrentando as 715 páginas de As irmãs Makioka, de Jun’ichiro Tanizaki. Uma delícia! De forma frenética e com empolgação, como recomenda o dicionário, já tracei 240 páginas.
            A quarta opção estou cansado de recomendar: ESCREVER! É divertido, acalma o espírito, ordena os pensamentos, ocupa a mente de forma saudável e criativa. E mais, a presença constante do leitor virtual não é contagiante! 
            Se você é daqueles que diz não ter assunto, então escreva uma carta ao seu melhor amigo, pergunte por ele, como vai de saúde, de dinheiro, de casamento, fale de você, se está bem de saúde, de dinheiro, de casamento, assunto é que não há de faltar. Se o amigo responde, está estabelecia uma correspondência, coisa raríssima hoje em dia, porém preciosa para aqueles que a cultivam.
            E não é que escrevi uma crônica sobre como matar o tempo! Sofrível, mas que importa? Alguém pode até se divertir com ela.

Rabo-branco-de-margarette


Foto: Stephen John Jones


O professor inglês Stephen John Jones, desde que se mudou para Pernambuco, há 15 anos,  procura uma espécie rara de beija-flor, o rabo-branco-de-margarette.
De nome científico Phaethornis margarettae, a ave pode ser encontrada na Bahia, Alagoas e Pernambuco. "Muitos achavam que ela estava extinta em Pernambuco, porque ela habita a mata atlântica de baixada com feições primárias, que é uma raridade por aqui", explica Jones. "Devido à forma como ela se alimenta, ela precisa percorrer distâncias grandes e fica difícil prever sua localização."
Atualmente, ele contribui com o banco de espécies do WikiAves, que reúne fotos, hábitos e outras informações de pássaros encontrados no Brasil. 
      Que tenacidade!



Vetheuil

Meus quadros favoritos


Claude Monet (1879)

domingo, 15 de março de 2020

Pragmatismo


– Você, um conhecedor de uísque, bebendo esta zurrapa?
– É que agora só me interesso pelo efeito.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Doutor Glas





Depois da leitura de O Jogo Sério, do sueco Hjalmar Söderberg (http://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/02/hyalmar-soderberg.html), tornou-se  inevitável enfrentar Doutor Glas (Editora Arte e Letra, 2014), o que parece ser o melhor livro do autor. 
            De fato, o livro é excelente! Publicado pela primeira vez em 1905, causou escândalo na Suécia, por tratar de dois temas tabus, sexo e morte. O relato é todo feito na primeira pessoa, é o próprio Doutor Glas que fala ao leitor sobre tudo que lhe passa na cabeça, desde a descrição da paisagem de Estocolmo nas diferentes estações do ano até seus pensamentos mais íntimos, alguns impublicáveis.
            Glass é um homem perturbado, instável, afirma que deseja ver pessoas mas não pode falar com elas, gosta de passear por Estocolmo mas não tem amigos. Sexualmente reprimido, desenvolve relação francamente patológica com uma paciente que acabará por levá-lo a um gesto de loucura. O desenrolar do drama prende o leitor.
     O estilo é sempre elegante, os relatos feitos sob a forma de um diário.
     Curioso que a editora Arte e Letra conseguiu publicar o livro com a capa mais feia do mundo!
            

Paisagem provençal

Meus quadros favoritos



Balthus, pseudónimo de Balthasar Klossowski 
(1908 –2001)
Foi um artista plástico francês de origem polaca.

Sea dragon

A foto do dia



Paula na Austrália, há 2 anos

quarta-feira, 11 de março de 2020

Por que este ministro?


Com a manchete Um homem doente, O Estado de S.Paulo publicou hoje (11 mar 2020), excelente editorial, cujo primeiro parágrafo reproduzo aqui, por tratar daquilo que é mais importante para o país, a Educação. 

“A cada dia que Abraham Weintraub permanece como ministro da Educação, desmoraliza-se esta que é uma das principais – se não a principal – forças motrizes para o desenvolvimento sustentável e para a redução da brutal desigualdade no País. Consumido por desvarios persecutórios e pendor revanchista que só sua alma é capaz de explicar, Weintraub parece não dispor de tempo em seu dia útil para dedicar às questões que realmente interessam à causa da educação, supondo, evidentemente, que o ministro seja capaz de diagnosticá-las. Em vez disso, Weintraub lança-se numa cruzada permanente contra tudo e contra todos que discordam de suas visões e de seus métodos, incluídos num mesmo balaio a mídia profissional, o Congresso, os partidos políticos e estudiosos das políticas públicas para a área de educação.”

O jornal faz ainda uma afirmação importante, corajosa e verdadeira: “Se o presidente quisesse ter um ministro da Educação, já teria demitido Weintraub.”
A óbvia pergunta que todo leitor há de fazer é: por que então o Presidente da República não demite o senhor Weintraub? Por que não coloca o Ministério em mãos competentes? 
Lembro-me bem, no tempo da Ditadura Militar era voz corrente que o povo não deveria ser educado para não fazer exigências “absurdas”, que se tornassem uma ameaça para o regime. Talvez isso fosse verdade. Mas e agora? Não estamos em pleno regime democrático?
Quando um criacionista é nomeado para chefiar a CAPES, começo a duvidar que estamos numa democracia.
Então, por que o Weintraub?



terça-feira, 10 de março de 2020

Literatura em microcontos


Gosto por uma literatura

De repente, descobriu a literatura japonesa. Depois de devorá-la, notou no espelho seus olhos mais puxados.


Ingenuidade

Ele acreditava que um círculo de giz traçado em torno de uma galinha seria capaz de mantê-la presa ali.

(Inspirado em Doutor Glas, de Hjalmar Söderberg.)



Alta literatura

Escreveu um poema que começava assim: “eu gosto mesmo é de ficar bêbado”. E achava que aquilo era bonito.

Em louvor da sombra




Em louvor da sombra, de Jun`ichiro Tanizaki (Penguin Classics Companhia das Letras, 2017), tradução de Leiko Gotoda, é um livro extraordinário, uma pequena obra prima.
            Escrito em 1933, trata-se de um ensaio sobre estética, mais precisamente sobre a estética do Japão antigo, cujo bom gosto já estava ameaçado à época, pela inexorável modernização ocidental, em especial pela influência americana. Tanizaki reafirma a beleza da sombra, do que ela faz com objetos e paisagens, atenuando-lhes a excessiva claridade, a provocar penumbra, essência da beleza.
            O autor fala da arquitetura, teatro, comida, vestuário, do tom de pele do japonês, com atenção à alvura do rosto da mulher japonesa, aspectos da cultura que ele diz precisam ser preservados, em detrimento das comodidades modernas.
            O estilo é elegante, porém incisivo, escrito por quem tem autoridade sobre o assunto; dito em outras palavras, por quem sabe pensar – e sentir – o tema.
            Impressionante a descrição do banheiro japonês, trecho que apresento ao leitor:

“Sempre que, em templos de Kyoto ou Nara, sou conduzido a uma escura e antiquada latrina impecavelmente limpa, sinto renovar-me em mim a admiração pela arquitetura japonesa. Zashiki, as salas de estar japonesas, são belas, não há dúvida, mas na minha opinião as latrinas oferecem paz de espírito aos usuários. Construída invariavelmente longe do corpo da casa, à sombra de arbustos e em meio à folhagem e ao musgo de verde fragrância, a ela se chega transpondo corredores, quando então acocorado em meio à baça claridade refletida pelo shoji, considero simplesmente indescritível a sensação de contemplar o jardim pela janela e me perder em pensamentos. Segundo dizem, o escritor Soseki Natsume contava as idas matinais ao banheiro entre os prazeres de sua vida, e delas auferia êxtase fisiológico. E para experimentar tal êxtase não há em minha opinião lugar mais adequado que uma latrina em estilo japonês, onde, cercado por sóbrias paredes de madeira de requintado veio, pode-se contemplar tanto o céu azul como o verdejante frescor das plantas.”

            Chega a ser cômica para nós, homens do século 21, a expressão “êxtase fisiológico”; no entanto, Tanizaki trata o assunto com enorme respeito. Isso espelha bem o abismo que separa as duas épocas e culturas. 
Naturalmente a leitura de Em louvor da sombra deve ser efetuada em ambiente de completo silêncio e luz apenas suficiente, para que se possa atingir o êxtase de espírito. 

sábado, 7 de março de 2020

Quay Saint Michel

Meus quadros favoritos



Edouard-Léon Cortes (1882-1969)
Pintor francês pós-impressionista

Para este blogueiro, esta é uma das vistas mais lindas do mundo. Só de vê-la, me emociono às lágrimas.

Desabafo de um homem comum




Desejo escrever uma crônica alegre, mas não me sai da cabeça a cena de um palhaço fantasiado de Presidente da República, no peito a faixa presidencial com o brasão oficial, a distribuir bananas a correligionários e jornalistas em frente ao Palácio do Alvorada, ao lado do próprio Presidente de República a estumá-lo. Um pesadelo. Horror horror horror.
            Naquele dia o tema jornalístico em destaque seria o pequeno PIB de 2019. Certamente não haveria, por parte do governo, uma satisfação verdadeira e transparente para oferecer à nação. Então, bananas.
            É isso mesmo? Eu, que sou um homem comum pagador de impostos recebi bananas como resposta ao baixo desempenho da economia do país? Mereço isso? Não consigo achar graça diante do grotesco e pirotécnico episódio que me atingiu em cheio. Indignação e tristeza são os sentimentos que me tomam nesse momento e que me impedem de escrever a crônica alegre.
            Há muitos anos um certo senador de quem já não me lembro o nome foi fotografado de cuecas. Foi cassado, por falta de decoro parlamentar. Penso que quanto mais elevado o cargo que se ocupa na República, mais se há de exigir do mandatário com relação ao decoro. Pelo visto, esta ideia é coisa ultrapassada, e decoro já não se exige mais. O interessante é que as cuecas do senador não me agrediram; já as bananas do palhaço foram mais que um tapa na cara.
             Nem mesmo as estripulias do ministro da educação atingem tal patamar. É preciso que se juntem os ardis perversos de um e de outro para tornar mais eficiente a tarefa de deseducar o país. Sim, porque muita gente aplaude, e quem aplaude se rebaixa, se deseduca, se torna grosseiro, perde qualquer referência de compostura. 
            Com que intenção essas duas figuras públicas têm repetidamente se comportado desta maneira estúpida? A mais evidente é a já citada, desviar a atenção da população para o real estado de coisas que vivemos. Para mim, tal explicação é verdadeira porém insuficiente, há mais coisas semi-ocultas.
            Acredito que tais atitudes grotescas (evito o termo simiescas em respeito aos símios, que tanto prezo!) são mesmo da natureza dos protagonistas. Há que lhes louvar a autenticidade, a sinceridade, o gesto verdadeiro. Eles são assim. Há comprazimento em tais gestos.
            É isso democracia? O presidente foi eleito pelo voto popular, não se pode negar. Não com meu voto, digo de passagem: sou o tal “isentão”, pois anulei meu voto por também não concordar com a ordem vigente até então, responsável pela maior corrupção mundial de todos os tempos. Democracia então talvez seja isso: a possibilidade de se passar da maior corrupção de todos os tempos para a maior vergonha de todos os tempos. Pacificamente!
            Desabafar talvez também seja um ato democrático. A crônica alegre fica para outro dia.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Foto de Claude Bouchard

A foto do dia
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Dernières lueurs du jour sur Saint-Maurice-de-l'Échouerie, en hiver...” 



Título e Foto: Claude Bouchard (CB1Visions)

Simples assim


– Você viu o palhaço fantasiado de presidente a distribuir bananas?
– Vi.
– E o que pensa disso?
– Que somos uma república de bananas.     

A flauta mágica

Meus quadros favoritos


Marc Chagal, 1967.

Espelho do Moisés


Recidivas

– Como você suportou passar pelo mesmo tratamento tantas vezes?
– O paciente não era o mesmo.



Plano de vôo

Chegar rápido em um planeta a muitos anos-luz daqui e assistir a minha infância num super­­-telescópio, comendo pipoca.



Eletrochoque

Ficou tão aliviado com os resultados dos exames cardíacos que foi nadar na chuva.



Prudência

– Espelho, espelho meu, será que um dia você vai conseguir refletir o que realmente sou?
– Melhor não.


                     Moisés Tito Lobo Furtado
                     Colaborador honorário deste blog.