Da série Abecedário Pessoal
Começo a procurar uma palavra, que
de alguma forma me seja cara, especial, significativa, íntima, para acrescentar
ao meu Abecedário Pessoal, e me
deparo com a existência deste mar oceano a que chamamos dicionário, imensidão
em superfície e profundidade. Porque há palavras que boiam, sobrenadam,
pertencem à superfície das coisas e das ideias. Consciência, por exemplo, e não sei bem por quê, é colocada sempre
na superfície, em oposição à profundidade onde se encontra o Inconsciente. Ou, pelo menos, assim os
humanos as dispomos, nem sempre de forma racional.
Tão logo inicio minha busca e percebo
que minha escolha (talvez inconsciente) recai sobre a Palavra. Mas de que Palavra
estarei a falar? Da palavra dada, empenhada, palavra de Deus (sobre todas as
coisas), de honra, de rei (aquela que não volta atrás), de prata (pois o ouro
pertence ao silêncio), da palavra fácil (nem sempre muito responsável), da
autorizada (que tem peso), ou da palavra por palavra (vã), daquela adocicada,
açucarada, melíflua, amarga, ríspida, áspera, dura (às vezes necessária), ou da
palavra mole (sem consistência), oca (que, quando se junta a outras tantas vazias,
damos o nome de palavreado ou palavrório), econômica (talvez mais próxima da
sabedoria), profética (que antecipa), estranha (estrabuleguice, lanfranhudo, afuazado, grugunzar,
mangorra, catrâmbias, abrenuncio, baldroca, todas dicionarizadas, diga-se de
passagem), ou da bombástica (explosiva), retumbante (que ecoa), da palavra
amiga (feita de mel), palavra que não enche barriga, ou do palavrão (espécie particular,
de múltipla utilidade e vítima de enormes preconceitos)? De que Palavra estou a falar?
De nenhuma delas e de todas elas.
O vocábulo, informa o dicionário
etimológico, vem do grego parabolé,
que no latim ficou parabola, e acabou
em palavra, na última flor do Lácio.
É assim que as palavras vão mudando de forma e significado ao longo do tempo e
conforme o uso: Parábola
transmudou-se em transmissão de preceitos; Palavra
não, serve pra dizer tudo, sem qualquer restrição moral. A liberdade da palavra
é o que mais aprecio: a mesma palavra, para diferentes pessoas, tem
significados diferentes (o que complica muito a vida da gente!). Também
interfere no significado de uma mesma palavra a entonação, a altura, o timbre
(qualidades do som) com que é proferida. Isso não é incrível?!
Como controlar todas estas variáveis, por parte de quem fala? Daí que
parece mais seguro escrever do que falar. Porém, quando se escreve, a palavra
fica registrada, outro tipo de perigo. A palavra dita, o vento leva; a
escrita, permanece.
Inventaram até que não se pode pecar
em palavras, atos e pensamentos! Isso também é incrível: a palavra que não pode
nem ao menos ser pensada! E como impedir que a palavra pensada venha à nossa
mente? Então, se ela vem, independentemente de nossa vontade, só nos resta a
sensação de culpa?
Ah!, ninguém manda na Palavra.
Por isso é que, para mim, em meu Abecedário
Pessoal, P é de Palavra!